Na parte 01 dessa série vimos como Gary Gygax partiu de uma ideia embrionária no D&D0e para uma mais madura, publicada no artigo Strategic Review de 1976. Ali ele buscou basicamente alcançar dois objetivos: 1) deixar claro que Ordem x Caos não são sinônimos de bondade e ou maldade. Para isso ele criou um segundo eixo (Y), de Bem x Mal, culminando em cinco opções de alinhamento. 2) Melhor trabalhar a forma de usar alinhamento no jogo, reforçando a proposta de que é o comportamento de personagens que guiará o alinhamento. Há algumas contradições pontuais para que isso funcione bem, principalmente com a possiblidade do uso de classes alinhamento-dependentes, como druida ou paladino. Na parte 02 de nossa série mergulhamos na evolução disso, que ocorreu dois anos depois (em 1978) no PHB do AD&D, com um modelo mais robusto, fragmentando o eixo da neutralidade em cinco partes, proporcionando assim os 9 famosos alinhamentos. No ano seguinte GG trabalhou esse modelo com maior densidade (DMG), e busquei no artigo fazer uma varredura geral que nos permitiu olhar para a materialidade do RPG proposto, e como isso interferente significativamente na jogabilidade, culminando em uma fortíssima contradição: é o alinhamento, na prática, que guina o comportamento, não o contrário. Agora proponho apresentar uma solução! As edições seguintes não confrontaram isso de forma direta, interagindo mais ou menos com uma estrutura similar para à do AD&D1e. O que faremos é voltar à proposta inicial e destrinchá-la, mantendo a mentalidade do RPG estratégico e artesanal.
Um olhar sobre as raízes do RPG de mesa: explore a história que precede o lançamento da edição de 1974 e seus desdobramentos!
quarta-feira, 3 de setembro de 2025
terça-feira, 12 de agosto de 2025
Eixos de Alinhamento no D&D - Parte II/III
Por Quiral Alquimista
As principais referências da mecânica de
alinhamento do D&D original de 1974 são da literatura de Poul Anderson (TrêsCorações e Três Leões), onde a neutralidade era vista como um "desalinhamento"
e de Michael Moorcock (Elric de Melniboné), na disputa de forças cósmicas entre
ORDEM x CAOS, tendo a neutralidade como como uma efetiva busca por equilíbrio.
Essa proposta funciona sobre um eixo (“X”, horizontal), com disputa entre
forças do caos e ordem. Gygax apresenta uma evolução dessa ideia em seu artigo publicado
no Strategic Review de 1976, v2, que tratei na parte 01 dessa série
sobre alinhamento, em que propõe a inserção de um segundo eixo (“Y”, vertical),
agora com duelo entre BEM x MAL. Ao que me parece, isso pode ter sido
sugerido por Steve Marsh (segundo registro de correspondência deles):
Como reportado na nossa parte 01, a proposta de Gygax com seu artigo é clara na ideia de que personagens não possuam alinhamento fixo, e é seu comportamento que definirá alinhamento, não o contrário.
Mas agora vamos analisar como isso avançou para o AD&D, publicado nos anos seguintes (MM: 1977, PHB 1978 e DMG 1979).
quinta-feira, 7 de agosto de 2025
Eixos de Alinhamento no D&D - Parte I/III
Alinhamento de Personagem, Incluindo Vários
Monstros e Criaturas: Antes do jogo começar, não é apenas
necessário selecionar seu papel, mas também determinar qual postura será
adotada - Ordem, Neutralidade ou Caos.
Personagem são limitados da seguinte forma por
este alinhamento: humanos (qualquer), elfo (ordem ou neutro), pequenino
(ordem), anão (ordem ou neutro).
(D&D0e, 1974)
terça-feira, 8 de julho de 2025
quarta-feira, 11 de junho de 2025
O que "foi" a OSR?
Por Quiral Alquimista
No ano de 2017 eu assisti a uma aventura ao vivo que era uma divulgação do Dungeon Crawl Classics RPG pelo lançamento do financiamento coletivo de sua versão em português. Logo de imediato fiquei encantado com a primeira camada que percebi do sistema, com seus dados estranhos, as artes em preto e branco, personagens nível zero, todo o conteúdo em um único livro e alguns outros fatores que talvez eu apresente aqui oportunamente em um artigo dedicado. Para manter o foco, simplifico lhe dizendo que a experiência DCC-RPG foi crucial para os movimentos que fiz em seguida, como a curiosidade por suas origens, o que me levou a conhecer essa tal de OSR. Uma sigla do inglês para Old School Revival (ou Old School Renaissance) que significa algo como “O Resgate da Escola Clássica”. Posso dizer, sem sombra de dúvidas, que a XP que conquistei a partir de materiais e pessoas que interagiam com a OSR mudou para sempre minha vida como RPGista. Eu já tinha algo em torno de 25 anos de RPG, e nunca tinha visto nada tão valioso. Eu sei que esse é um termo em disputa, e que talvez você já tenha encontrado outras definições ou formas de explicar a coisa por aí. Este artigo se trata de uma leitura própria dos acontecimentos, ancorada em evidência concretas, com análise crítica e objetiva dos fatos.
ANOS 2000 E A TERCEIRA EDIÇÃO DO D&D
Para entender o que foi a OSR, é fundamental que se compreenda muito bem o cenário dos anos 2000s e a terceira edição do D&D. Eu não prestei atenção nisso à época, pois estava envolvido em campanhas com esta nova edição (e sua versão revisada, a 3.5), e mais tarde, em 2008, abracei a 4ª edição. Não era necessário ter a visão além do alcance de Thundera, pois o que eu não percebi foi um elefante na sala.
Em 1997 a Wizards of the Coast (WotC), uma empresa que crescia muito rapidamente a cada ano, anunciou a compra da TSR e de todos os produtos que a pertencia. Dentre eles e o maior RPG de todos os tempos: Dungeons & Dragons. As dívidas da TSR foram assumidas como parte da aquisição e muitos imbróglios, dentre elas pendências de royalties com Dave Arneson, o que permitiu uma decisão estratégica de remover o “Advanced” da linha AD&D e lançar sua terceira edição como Dungeons & Dragons. Eventualmente os escritórios corporativos da TSR foram completamente fechados, e foi nessa janela de transição que se tomou a decisão mais importante e central da história que trato neste artigo: o lançamento da terceira edição do D&D sob o comando dos três projetistas de jogos: Monte Cook, Jonathan Tweet e Skip Williams.
No meio dessa história, e na esteira do sucesso crescente da WotC com Magic: The Gathering e fermentação da nova edição do Dungeons & Dragons que a WotC foi adquirida pela Hasbro em 1999 por aproximadamente 325 milhões de dólares, se tornando assim um departamento estratégico de jogos dentro da gigante do entretenimento.
Embora eu já tenha tratado desse assunto de forma resumida no artigo sobre as edições do D&D, acredito que, para os fins da nossa discussão atual, é relevante compreendermos dois aspectos-chave: o novo sistema foi, pela primeira vez, alterado drasticamente para funcionar sobre uma mecânica centralizada no d20 e essa edição foi lançada junto de uma abertura do Documento de Referência do Sistema (do inglês System Reference Document, SRD) com uma licença aberta de jogos (do inglês Open Game License, OGL).
Forte impacto na jogabilidade
A nova estrutura de regras impactou profundamente toda a jogabilidade do D&D, que foi drasticamente alterada em seus três eixos: sistema, mentalidade e estética.
1) Sistema: regras e sua usabilidade - As regras passaram a ser interconectadas por uma mecânica central de resoluções de conflito, que gira em torno do lance de um d20 + modificadores, contra um número alvo, o que ficou conhecido como “sistema d20”. Todo o sistema foi estruturado sobre uma alta granularidade, com progressão numérica importante, de forma que pequenas escolhas mecânicas (ex.: perícias, talentos, combinação de classes) impactam significativamente na forma de jogar, incentivando uma construção “engrenada”. As movimentações táticas passaram a ter grande peso, de forma que usar grades de batalha com medição exatas ganharam muita relevância para definir com acurácia posição, alcance e áreas de efeito.
2) Mentalidade: é a forma de pensar que se adota ao se engajar com um jogo - A mudança estrutural do sistema alterou a forma como se racionaliza o jogo, com mais enfoque no pensamento tático e otimizador. Personagens “bem construídos” são parte fundamental desse jogar, pois o sistema foi projetado para oferecer uma ampla variedade de escolhas mecânicas, fingindo uma maior liberdade, mas com diversas “opções armadilha” (trap options), que são escolhas apresentadas como viáveis, mas significativamente menos eficazes do que outras. Essas opções subótimas são construídas para que participantes menos experientes as escolham por parecerem interessantes ou temáticas à primeira vista, e aprendam com seus erros ao longo do jogo. Isso significa que “jogar bem” envolve uma evolução de maestria do sistema (system mastery). Isso vem casado com o que é chamado de economia de ações, que envolve uma preocupação concentrada em não desperdiçar opções de ações em um combate: ação, movimento, ação rápida, ataque de oportunidade.
Eu costumo chamar isso de “um jogo fora da mesa”, pois demanda estudar o sistema e melhor dominar suas opções de forma técnica, o que leva à mentalidade para buscar sinergias e otimizações, chamadas de “min-máx”, que envolve reduzir ao mínimo possível características que não trazem benefício direto e maximizar as características que geram maior vantagem mecânica.
3) Estética: envolve interações endógenas e exógenas com o jogo - As interações endógenas são os cenários, o mundo ficcional. No D&D 3e o uso de cenários completos e detalhados, como Forgotten Realms, passou a ser o padrão, principalmente os que possuem relação simbiótica com o sistema, com ênfase em personagens poderosos, magia abundante como ciência estruturada (listas, escolas, componentes) com civilizações complexas, panteões, e uma fantasia “explicada”. O cenário de Eberron, por exemplo, é considerado como a melhor expressão desta edição, lançado após vencer um concurso promovido pela WotC em 2002, destaca-se por suas características de magia onipresente e tecnologia fantástica, amplamente usadas no cotidiano, com seus trens elementais, bancos e toda sua pegada de steampunk mágico. Naturalmente aventuras e cenários caseiros começam a perder espaço para materiais oficiais, que entrelacem intrinsicamente com a 3e.
Já as interações exógenas envolvem a forma como o jogo é apresentado às pessoas. Tem a ver com suas artes, diagramação, linguagem e referências. As ilustrações são de realismo técnico, com ênfase em heróis poderosos em ambientes fantásticos. Os textos foram escritos de forma normativa, com objetivo de transmitir informações claras para priorizar a interpretação estrita e literal das regras oficiais do jogo, com valorização para uma homogeneização de decisões. Isso significa que parte da proposta desse jogo envolve ter um sistema como ferramenta mediadora para um jogo certo e justo, com espaço reduzido para opiniões subjetivas. Essa estética impacta na mentalidade de um jogo que valoriza a fidelidade ao sistema, a uniformidade nas decisões e o domínio técnico das regras como caminho para uma experiência equilibrada.
Um ataque de oportunidade? A OGL 1.0a e suas possibilidades
O outro ingrediente-chave que compõe esse caldo foi a OGL 1.0a. Ela foi introduzida com a intenção de que qualquer pessoa, editora comercial ou não comercial, pudesse produzir materiais para D&D, de forma terceirizada, usando o chassi do Documento de Referência do Sistema (do inglês System Reference Document, SRD), sem pagar pelo uso da propriedade intelectual associada. A intenção por trás disso era lançar uma isca para ser mordida por profissionais ou amadores do RPG, que passariam a produzir conteúdo generalizado para D&D. Nascia assim a era do “sistema d20” (do inglês d20 system), estratégia que resultou em uma inflação de materiais e contribuiu de forma decisiva para consolidar o D&D como a marca principal do RPG, ampliando sua base de jogadores e conteúdo. Embora essa ideia tenha sido de grande sucesso comercial, ela teve alguns efeitos colaterais. Nada que fizesse cócegas na gigante WotC/Hasbro, mas crucial para o que abordo neste artigo: o surgimento do movimento OSR. A OGL não apenas abria a SRD da terceira edição do D&D, mas de qualquer edição anterior, permitindo assim que as versões antigas do D&D da era TSR fossem “liberadas” e adaptadas, dando base legal para o que viria ser a base fundacional da OSR.
Como surgiu a OSR?
Já no começo dos anos 2000 ocorreu sua fermentação por meio de algumas editoras que lançaram produtos para a terceira edição prometendo o espírito das edições antigas, como a Necromancer Games (2000) ou a Goodman Games (2003), esta que lançava a linha de aventuras Dungeon Crawl Classics (DCC), e que cerca de dez anos depois lançaria um sistema próprio (o DCC-RPG, que comentei no início deste artigo).
Logo nessa esteira veio uma proposta ainda mais ousada, a editora Kenzer & Company lançou o jogo Hackmaster em maio de 2001. O sistema foi inicialmente fictício, na forma de uma paródia de D&D jogado por personagens de história em quadrinhos, na segunda metade dos anos 1990s. Havia uma comoção de fãs para produção do jogo real, que acabou sendo possibilitada em 2001, lançada como uma 4ª Edição, uma brincadeira e homenagem às versões fictícias anteriores dos quadrinhos. A inovação aqui foi sua construção sobre as regras hibridizadas de AD&D1e, AD&D2e e vários suplementos da era TSR. Embora eu não saiba afirmar com acurácia sobre seu potencial retrocompatível, dentro do meu conhecimento este foi o primeiro sistema a ousar um rumo oposto ao da WotC e sua 3ed do D&D, sendo uma espécie de proto-OSR. Alguns imbróglios jurídicos acabaram levando à K&C a uma reestruturação em uma nova edição, lançada em 2009, na forma de Hackmaster Basic, já projetado com regras diferentes das dos D&Ds para evitar problemas contratuais.
Outro exemplo importante desse período embrionário foi o Castles & Crusades, projetado por Davis Chenault e Mac Golden. Na GenCon de 2004 eles trouxeram uma tiragem limitada de 1.000 caixas brancas, para relembrar a edição setentista do D&D, contendo três livretos e dados "Zocchi" com números sem pintura e um giz de cera (para colorir os números dos dados). Tratava-se de uma espécie de jogo rápido do que foi lançado no final daquele ano, e logo teve apoio valioso de Gary Gygax e Rob Kuntz, que usaram as regras de C&C para ressuscitar sua antiga campanha de D&D, Castle Greyhawk (agora renomeada como Castle Zagyg). A estrutura geral do C&C foi montada sobre as regras da 3ª edição do D&D, mas ele carregava fortes credenciais do D&D antigo pela participação de GG e Kuntz. Embora o entusiasmo inicial tenha sido grande, ele veio acompanhado logo em seguida de inúmeras reclamações sobre o desalinhamento do sistema com a jogabilidade do D&D antigo, o que acabou impulsionando o público para outros rumos.
É perfeitamente possível conectar o surgimento do movimento OSR com a popularização da internet, com o avanço da banda larga e a consolidação de fóruns e blogues, o que foi decisivo para o processo. Espaços como Dragonsfoot Knights & Knaves Alehouse reuniram entusiastas do D&D antigo, permitindo um debate contínuo sobre sua jogabilidade (que significa: sistema, mentalidade e estética). Blogues como Grognardia surgiram como espaço de crítica e reflexão sobre o RPG, o que influenciou fortemente na construção da primeira identidade deste movimento. De maneira bastante direta, a OSR despontou como uma resposta crítica à terceira edição. Embora esses materiais não tivessem mais suporte direto, o acesso aos PDFs da era TSR por versões escaneadas ou republicadas legalmente permitiu um contato inicial com a nova geração. Em adicional, plataformas como DriveThruRPG viabilizaram versões físicas por impressão sob demanda (PoD, do inglês Print on Demand). Isso tudo ocorreu em meio à “guerra de edições” do D&D, com fervorosos embates sobre quais edições são válidas ou não para esse resgate. No começo, o AD&D de Gygax foi a versão mais destacada, pois as edições em caixas do D&D (BX ou BECMI) eram apontadas como um “D&D infantil”, embora houvesse quem defendesse que eram opções mais fluídas e objetivas, atendendo melhor ao interesse geral. Para muita gente o AD&D2e era muito próximo do 3e, não sendo “antigo o bastante”. Eu não vou aqui entrar nesse mérito, pois acredito que ao longo desse texto teremos maior capacidade de olhar para a coisa com toda a sua complexidade. O fato é que nesse tipo de ambiente emergiram novos títulos inspirados, retrocompatíveis e intercambiáveis ao D&D antigo, usando a OGL como ferramenta de rompimento com a WotC e sua 3e. Nasceu assim o BFRPG (Basic Fantasy RPG), de Chris Gonnerman, em janeiro de 2006, que tinha como proposta recriar a edição B/X de 1981. Mas era um material incompleto e com algumas distorções, muito impactadas pelo receio de uma maior proximidade com as regras do D&D antigo e um potencial enfrentamento jurídico com a WotC. Na minha forma de ver a coisa, isso foi uma certa evolução do que foi o trabalho de K&C, com o Hackmaster. Logo em seguida veio um primoroso trabalho de Matt Finch e Stuart Marshall com o OSRIC (Old School Reference and Index Compilation) lançado também em 2006, como um compilado bem fiel ao AD&D1e.
Considero importante abrir uma nota especial para o grande Matt Finch, uma pessoa fundamental para o fortalecimento do movimento OSR. Ele iniciou como RPGista no final dos anos 1970s, com AD&D1e, e foi o responsável pelo rascunho inicial do OSRIC, repassado depois a Stuart Marshal para finalização, edição e impulsionamento. Como advogado (aposentado), Finch mergulhou nos detalhes jurídicos dessa inovadora e destemida incursão de usar as regras do D&D antigo em um novo produto, e partiu dele o reconhecimento da legalidade desse tipo de publicação, permitindo com que OSRIC ocupasse o lugar de destaque como um arrojado produto de altíssima similaridade com as regras da era TSR. Em adicional, em 2008, ele também lançou um importante material introdutório chamado: “Guia Rápido Para o Estilo de Jogo Antigo” (em inglês: A Quick Primer for Old School Gaming), conciso e prático, com objetivo de permitir com que novas pessoas conhecessem sua jogabilidade proposta com o D&D0e, com ótimos exemplos de contraste com a jogabilidade da terceira edição do D&D.
O lançamento de OSRIC permitiu que diversos outros autores acompanhassem a ideia, e logo vieram outras propostas, como Labyrinth Lord (2007, no chassi do BX) de Daniel Proctor, Swords & Wizardry, do próprio Matt Finch (2008, no chassi do 0e) e a republicação completa do BFRPG (2008, também no chassi de BX).
Nasceu assim, a primeira geração da OSR, uma era de “retroclones” do D&D, novos sistemas construídos sobre o chassi de regras do D&D antigo, que permitiam maior acessibilidade, com clarificações, com proposta de melhor diagramação e correção de erros óbvios. Alguns com maior presença autoral, com intervenções mais presentes, outros de forma mais sutil, mas no geral, retrocompatíveis e intercambiáveis entre si e, principalmente, ao D&D da era TSR.
Mais tarde (já na transição da 5e para a 5.5e), no início de 2023, a WotC tentou substituir a OGL 1.0a por uma nova atualizada e mais restritiva, a OGL 1.1. Essa nova licença impunha cláusulas que davam à WotC mais controle sobre o conteúdo criado por terceiros. Uma forte reação veio da comunidade RPGistica, e essa mobilização acabou promovendo um recuo. Não vou tratar com mais profundidade esse assunto, pois essa treta não tinha como alvo principal o movimento OSR (que poderia sim, sofrer algum efeito colateral). Para isso deixo um vídeo sobre o tema, aqui.
No final das contas, o que isso tudo significa? Ao longo dos anos 2000 a OSR foi um movimento que emergiu de forma colaborativa e descentralizada, norteado pelo enfrentamento da terceira edição do D&D com uma proposta de resgate e amadurecimento da jogabilidade do D&D antigo, com liberdade de criar, adaptar e publicar materiais caseiros.
Poderíamos encerrar o artigo aqui. Entendo que este resumo já é suficiente como uma introdução geral sobre o que foi, de fato, a OSR. Mas faço agora um convite para mergulharmos um pouco mais em busca das correlações de tudo isso com uma série de eventos que ocorreram ao longo dos anos 1980s, alterações e incorporações extremamente impactantes que contribuíram em maior ou menor grau para uma transformação do Dungeons & Dragons de um estilo de jogo para uma logomarca extremamente lucrativa.
quarta-feira, 23 de abril de 2025
D&D E A FANTASIA MEDIEVAL
Por Quiral Alquimista
Você já se perguntou quais as razões que levaram o RPG a emergir ali nos anos 1970 como um RPG tipicamente de fantasia medieval? Por que não um RPG de mistério investigativo, como Braunstein? Por que não um RPG napoleônico, considerando que jogos de estratégia (wargames) tratando essa época eram muito comuns? Ou ainda um RPG de ficção científica, igualmente famosa nos anos 1970s? Meu objetivo neste artigo é destrinchamos os ingredientes que combinados permitiram produzir o Dungeons & Dragons como RPG de fantasia medieval!
terça-feira, 25 de março de 2025
SOBREVIVÊNCIA NOS ERMOS (OUTDOOR SURVIVAL)
SOBREVIVÊNCIA NOS ERMOS
por Quiral Alquimista
Em janeiro de 1974 foi publicada a primeira caixa de D&D, contendo dentro os três livretos clássicos, juntos de alguns materiais adicionais. O livreto III: The Underworld & Wilderness Adventures (Aventuras pelo Submundo e Selvagem), possui conteúdo voltado para preparação de aventuras em dédalos e ermos. Eu já escrevi um artigo sobre esse ambiente de submundo místico aqui, e agora o objetivo é mergulharmos no material para aventuras em ermos. Mais especificamente, o que proponho neste artigo é uma resenha sobre o jogo de tabuleiro usado como suplemento extraoficial do D&D original: OUTDOOR SURVIVAL (SOBREVICÊNCIA NOS ERMOS).
SUPLEMENTO (EXTRAOFICIAL) DO D&D ORIGINAL
O Dungeons & Dragons original (0e) tinha todo um arquétipo de fanzine. Dois materiais externos (de fora da linha D&D) e antecessores à sua publicação funcionaram tanto como inspirações e referências durante seu desenvolvimento como também são necessários para jogar o D&D0e, funcionando como material suplementar. O Chainmail, um jogo de estratégia (wargame) publicado em 1971 por Gary Gygax e Jeff Perren, é apontado no corpo do texto do D&D para algumas informações complementares, como características dos povos fantásticos como personagem (anão, elfo e pequenino) ou para habilidades especiais das criaturas no bestiário. Já o material protagonista deste artigo, se trata de um jogo de tabuleiro publicado pela Avalon Hill em 1972, chamado OUTOOR SURVIVAL (SOBREVICÊNCIA NOS ERMOS), que é indicado como suplemento do jogo para a parte de exploração e jornada, funcionando também como “cenário de fundo”. Isso significa que o próprio mapa do tabuleiro era indicado no livro para ser usado como mapa da região do D&D, mas também suas regras de navegação se fazem necessárias para a HEXploração. A seguir apresento um recorte da página 15 do livreto III do D&D 0e:
Tradução
O terreno além das imediações da área do dédalo (dungeon) deve ser desconhecido para participantes (apenas de conhecimento de quem mestra o jogo). Aventuras improvisadas nos ermos são realizadas com uso do jogo de tabuleiro SOBREVIVÊNCIA NOS ERMOS, conforme explicado abaixo. Jornadas exploratórias, como expedições para encontrar terras adequadas para um castelo ou em busca de algum tesouro lendário, são tratadas de maneira totalmente diferente.
SOBREVIÊNCIA NOS ERMOS possui um tabuleiro perfeito para aventuras gerais. Considere as áreas do tipo “sumidouro” como áreas para castelos e ícones de casas como vilas, e o restante do terreno trate conforme indicado.
A TRÍADE VINTAGE COMO ESTRUTURA DE JOGO
Eu considero super interessante a sacada de Gygax de acoplar (extraoficialmente) este jogo de tabuleiro como cenário de campanha no D&D 0e. De fato, o projeto D&D era muito grande, emancipando do mundo dos jogos de estratégia e de tabuleiro. A estrutura básica das campanhas pré-74 (Blackmoor e Greyhawk) eram basicamente focadas nas incursões por um grande castelo recheado de galerias labirínticas, salas desconhecidas, armadilhas letais e criaturas mortais, contendo múltiplos andares, cada um mais profundo e misterioso, em busca de tesouros antigos e esquecidos. Ao longo do jogo personagens avançam estrategicamente, com gestão de risco e recurso, e retornam regularmente à um marco seguro (uma vila ou cidade), para descansos, reabastecimento, recuperação de ferimentos, recrutar auxiliares ou coisas do tipo. E voltam a incursionar de tempos e tempos. Nem Dave Arneson nem Gary Gygax desenvolveram para o D&D uma estrutura de exploração para muito além desse "bate-volta", mas essa adjacência do jogo acaba ocorrendo de maneira emergente. Participantes eventualmente buscavam locais para construir uma base avançada, investigavam rumores sobre outros locais de aventuras ou ainda queriam saber "de onde vieram aqueles orques que nos atacaram na estrada?". Isso exigia uma estrutura de jogo específica, para além do modelo de incursão subterrânea. A solução de improviso foi enxertar o conteúdo desse jogo tabuleiro como um material suplementar. Como a região de ambas as campanhas dos autores era "O Grande Reino", e eles não tinham interesse em tornar isso público, a saída foi indicar o tabuleiro do jogo como mapa de mestragem (sem conhecimento de participantes), para alocação dos marcos de jogo. Para regras de navegação indica-se usar diretamente as regras deste material suplementar, o que é o puro suco do RPG artesanal, simplesmente sensacional! Assim foi composta a tríada estrutural para uma campanha vintage: uma região organizada em uma malha hexagonal (para aventuras em ermos), um megadédalo (para incursões no subterrâneo) e um marco seguro (ponto de partida e retorno para interlúdios). Eventualmente isso permitia novas aventuras emergentes ao longo do jogo, com novos marcos sendo descobertos e abordados. Para entender melhor como funciona essa estrutura de HEXnavegação do "SOBREVIVÊNCIA NOS ERMOS", convido você agora a mergulhar diretamente no conteúdo deste jogo:
O QUE É ESSE JOGO?
SOBREVIVÊNCIA NOS ERMOS é um jogo de tabuleiro projetado para duas a quatro pessoas jogarem desafios de exploração em uma região erma, confrontando sede, fome, desorientação, animais selvagens, insetos e perigos naturais, onde a escolha do seu caminho e uma gestão de recursos bem feita pode ser a diferença entre a vida e a morte!
COMPONENTES
O conteúdo do jogo é uma caixa, contendo:
● 1x tabuleiro de 22’’x 24’’ com diversos terrenos (áreas)
● 4x conjuntos de marcadores
● 4x fichas de jogo
● 1x manual de regras
● 1x manual (24 pg) com técnicas de sobrevivência nos ermos
● 1x tabela de movimento (impressa na tampa da caixa interna)
● 5x cartas de cenário de jogo
● 1x dado (d6)
● 1x cartão com regras básicas, indicado para iniciantes
MANUAIS QUE VINHAM NA CAIXA DO JOGO
Dentro da caixa vinham dois manuais, um deles é de regras do jogo, o outro funciona basicamente com um guia Escoteiros do Brasil dos anos 1970, que era basicamente um livreto contendo dicas de sobrevivência, como, por exemplo: tutorial para filtrar água, fazer torniquete ou até mesmo identificação de cobras venenosas. Como esse livreto não tem relação com a estrutura do jogo, não vou aprofundar eu seu conteúdo. A seguir apresento uma fotografia dos dois manuais que vinham dentro da caixa (da esquerda as regras do jogo, da direita o guia de sobrevivência).
CENÁRIOS
O jogo possui cinco cenários diferentes, que são uma conjuntura contendo um objetivo, ponto de partida, desafios e tipos de encontros aleatórios.
● Cenário 1 - Perdido: esse é o modo básico, proposto para iniciantes ou para um jogo rápido. Você estava acampando nos ermos e se perdeu, está com pouca comida e água e precisa encontrar o caminho de volta. Vence quem escapar primeiro do tabuleiro (sair por qualquer margem) antes de morrer por inanição ou desidratação.
● Cenário 2 - Sobreviva: este é um modo avançado do cenário 1. Você estava acampando nos ermos e se perdeu, está com pouca comida e água e precisa encontrar o caminho de volta. Vence quem percorrer o caminho certo de volta para casa (você precisa atravessar o tabuleiro, com um ponto de partida mais distante do ponto de saída específico).
● Cenário 3 - Busca: você deve encontrar alguém que se perdeu antes da pessoa morrer nos ermos, mas você também possui poucos recursos. Vence quem encontrar a pessoa primeiro.
● Cenário 4 - Resgate: este é um modo avançado do cenário 3. Você deve encontrar alguém que se perdeu antes da pessoa morrer nos ermos, e resgatá-la para um ponto seguro, mas você também possui poucos recursos. Vence quem trouxer a pessoa primeiro dos ermos.
● Cenário 5 - Perseguir: este é um modo customizável em quatro opções: a) você é um fugitivo de guerra e deve escapar até uma área neutra de guerra; b) você está caçando um fugitivo de guerra e deve capturá-lo antes que escape; c) Uma pessoa joga como fugitiva de guerra e outras precisam captura-la antes que escape; d) você é um caçador e deve capturar uma fera selvagem.
NOTA 1: Cada cenário possui uma conjuntura geral, que define o ponto de partida no tabuleiro, uma tabela para determinar "habilidade orientação", As necessidades de personagens (basicamente como coletar água e comida) e tabela de encontros aleatórios (regra opcional). Cinco cartões de cenários estão contidos na caixa.
NOTA 2: Uma grande vantagem desse jogo é seu alto poder de customização. No próprio manual está registrado uma passagem com essa proposta:
Um dos aspectos mais interessantes de SOBREVIVÊNCIA NOS ERMOS é a oportunidade que o jogo oferece para criar seus próprios cenários. Depois de dominar as mecânicas do jogo, muitas ideias adicionais de cenários diferentes surgirão na sua mente. Integrar essas novas situações com os jogos padrão adicionará prazer e aprimoramento de suas habilidades ao jogo
O MAPA-TABULEIRO
O jogo possui um mapa-tabuleiro que simula uma região de aproximadamente 13.200 milhas quadradas, contendo opções desafiadoras, como florestas, desertos, pântanos, rios e montanhas. Há uma malha hexagonal (HEX) sobre este mapa, com escala de 5 milhas / HEX, com objetivo de estruturar a navegação (direção e deslocamento).
Marcos de jogo
No tabuleiro há marcos de jogo registrado:
● Cervo: indica fonte de comida
● Sumidouro: indica fonte de água*
● Trilhas: podem ser usadas estrategicamente na navegação
● Casa: indica acampamento, que servem tanto como ponto de partida no jogo (para cada cenário) como para recuperação de recursos (para postos avançados, indicado em cada cenário).
* NOTA: além do sumidouro (marco de jogo), vaus e rios também servem como fonte de água (pântanos não, por não serem considerados água potável).
FICHA E MARCADORES
Uma ficha é usada por cada participante em conjunto com marcadores coloridos que servem para registro da evolução do jogo. As letras numeradas em cada marcador flutua entre A-O, para refletir a condição física atual, chamada de Nível de Vida (NV), sendo "A" o NV inicial, que pode se deteriorar ao longo do jogo. O número impresso no NV indica o Movimento (MV), que expressa quantos pontos podem ser movidos por turno. Isso significa que uma pessoa com nível de vida “A” move por até seis hexágonos livres (custo 1), enquanto uma pessoa debilitada, com Nível de Vida "D", mover-se apenas por 4 hexágonos livres (custo 1). Os marcadores de Índice de Comida (IC) e Índice de Água (IA) são usados para registrar estágio de desidratação ou inanição, que impacta no NV.
Índice de Comida (IC) e Índice de Água (IA): ao final de cada turno, é feita a averiguação se as necessidades básicas (IC ou IA) foram atendidas. Em caso de negativa, para cada caso, move-se o marcador correspondente para o próximo quadro a direita na ficha, indicando sede ou fome. Se isso desencadear em alteração no NV, deve-se também mover o ícone no NV para a próxima letra.
NOTA: este modelo é outro importante vestígio do uso de ficha de personagem no D&D. O “NÍVEL DE VIDA”, por exemplo, tem relação com a ideia dos “Pontos de Vida”, bem como condições (ex.: cansaço ou fome). Embora a Classe de Armadura (CA) e Pontos de Vida (PV) no D&D tenham sido inspirados mais fortemente em jogos de batalha naval (usado para registrar avarias em navios de guerra), acredito que esta estrutura também tenha servido como relevante referência no período pré-74.
A seguir apresento a imagem da ficha e dos marcadores, disponíveis nas cores: azul claro, amarelo claro, azul escuro, amarelo escuro.
NAVEGAÇÃO
Personagens se movem por turno (que nesse jogo representa um dia), regidos basicamente sobre duas regras: Direção e Deslocamento.
1) Direção: para refletir no jogo a situação de uma navegação por áreas desconhecidas e sem referências prévias de marcos geográficos, a orientação é definida aleatoriamente por um lance de d6 (cada cenário tem uma tabela), que expressa a “habilidade de orientação”. Isso significa que sua agência sobre a navegação só acontece após o dado rolado, com decisão de como se mover com os resultado obtido. A seguir apresento como exemplo a tabela do cenário 1 (tradução pessoal, para facilitar entendimento), com um esquema exemplo ao lado.
2) Deslocamento: o quão longe você pode se mover por dia depende do seu movimento (MV), registrado na sua condição atual (NV). Isso é impactado também pelo tipo de terreno, que possui custo em pontos de acordo com grau de dificuldade de travessia. A seguir apresento a tabela do jogo com tipos de terreno e custo (impressa originalmente no fundo da caixa do jogo).
Desse modo, se você tiver com movimento 6 (NV "A"), pode-se deslocar por até seis HEX em um dia (turno), caso percorra apenas terrenos simples, trilhas ou vaus. Para se mover por terrenos de maior dificuldade, o custo se impõe sobre este movimento. Pode-se deslocar por qualquer combinação de terrenos, desde que permitido pelo resultado de sua “habilidade de orientação”, com consumo dos pontos de movimento. O movimento final será perdido se não tiver custo suficiente para avançar por aquele terreno, sem acúmulo de pontos.
NOTAS: 1) se durante a navegação você se deparar com uma trilha, ela pode ser tratada como "movimento reto" independente da virada necessária; 2) uma virada não é obrigatória, mesmo que possível pela "habilidade de orientação"; 3) é possível encerrar o deslocamento antes de completar todos os pontos de movimento (inclusive "zero"); 4) caso você seja forçado a sair do tabuleiro pelos movimentos do jogo sem seu desejo, você pode optar por permanecer estacionário no último HEX.
Exemplo ilustrativo: na situação da imagem ao lado o personagem está em uma condição "A", o que indica MV 6. Imaginemos que na "habilidade de orientação" lança-se 1d6 e tira um número "4", o que indica que pode fazer um movimento reto em qualquer direção. Nesse caso, a pessoa decide se mover para o sul. Ela paga custo 1 no primeiro movimento, paga custo 2 no segundo movimento (terreno de floresta) e, nesse momento, pega uma trilha, uma decisão estratégica que permite movimentar-se para o sudoeste, o que mitiga o custo de terreno (trilha tem custo 1) além de autorizar uma virada no fluxo da trilha.
SEQUÊNCIA DE UM JOGO
Para melhor elucidar o funcionamento de uma partida típica, apresento aqui um passo a passo:
Passo 1: Seleciona-se um dos cinco cenários, que deve ser apresentado publicamente. Distribui-se uma ficha e um conjunto de marcadores para cada participante, que ajusta a configuração inicial e coloca seu marcador de condição "A" no tabuleiro, no número inicial indicado pelo cenário.
Passo 2: Determina-se a iniciativa (d6), por ordem decrescente de resultado (joga primeiro quem tirar o maior número).
Passo 3: Início do turno (dia) do jogo. A primeira pessoa da iniciativa lança sua "habilidade de orientação" e decide sua navegação a partir do resultado.
Passo 4: Consulta-se as "necessidades" (cenário adequado) para atualizar demanda por IC e IA na ficha. Exemplo (CENÁRIO 1): NECESSIDADES você satisfaz suas necessidades diárias de comida se parar em um HEX de alimento e de água de parar em um HEX com fonte d’água potável (sumidouro, vau ou rio).
Passo 5: Se as alterações de Índice de Comida ou Índice de Água provocarem mudança no Nível de Vida, atualize adequadamente sua ficha. Troque o marcador da condição atual de seu personagem no tabuleiro adequadamente.
Opcional: Os passos 6 e 7 são apenas quando usado a regra de Encontro Aleatório (regra opcional). Caso contrário, pule diretamente para o passo 8.
Passo 6: Ao final, do seu turno (dia), lance 1d6, no resultado 1-4, o dia termina, salte o Passo 7 e pule para o Passo 8. Caso o resultado no dado seja 5 ou 6, significa Encontro Aleatório (EA)! Consulte a regra de EA.
Passo 7: Após resolver o EA, repita o passo 5, depois vá para o passo 8.
Passo 8: Encerra-se a sua vez no turno (dia). Agora é a próxima pessoa da iniciativa, que inicia suas ações no passo 3. Repita esse processo até que o jogo seja concluído.
ENCONTRO ALEATÓRIO (REGRA OPCIONAL)
Um importantíssimo vestígio fundacional do encontro aleatório em D&D está registrado nesse jogo. No começo de uma sessão participantes devem escolher se vão jogar com ou sem encontro aleatório. Essa alternativa torna o jogo mais difícil (o que eu acho muito mais legal, diga-se de passagem).
Quando ocorre um EA?
Ao final do turno cada participante lança 1d6, os resultados 5 ou 6 indicam que naquele dia ocorre um evento. Nesse caso a pessoa anuncia previamente qual tipo de encontro prefere enfrentar:
a) perigos naturais: algo como uma chuva forte ou ventania
b) animais/insetos: algo como um enxame de abelhas ou uma fera selvagem
c) pessoal: algo como uma indigestão ou doença
Alternativa: também é possível usar essa ferramenta de forma aleatória. Ao invés da pessoa anunciar qual tipo de desafio irá enfrentar, isso é determinado por um novo lance de 1d6, sendo 1) desafio natural; 2,3) animais/insetos; 4,5,6) pessoal.
NOTA: obviamente que eu gosto mais do jogo com Encontro Aleatório, mas me peguei pensando se a opção aleatória para o tipo de encontro é uma alternativa interessante, uma vez que decidir qual desafio irá enfrentar imprime uma dinâmica de jogar com a sorte de maneira super interessante. Se você observar a tabela de jogo, o encontro do tipo "pessoal" possui duas alternativas boas (1 ou 2), mas quatro ruins. As outras possuem 50% de chance de nada acontecer, mas os eventos ruins são mais pesados.
CONSIDERAÇÕES QUIRAIS
Posso dizer sem sombra de dúvidas que se eu tivesse esse jogo de tabuleiro em mãos ali nos anos 1990s eu iria jogar todos os cenários, diversas vezes. Achei sensacional e tenho vontade de imprimir o material e fazer uma versão caseira para experimentar.
Como material suplementar do D&D original esse material serve para uso direto ou como tutorial para preparação de uma região organizada em HEX, onde podem ser alocados os marcos de jogo, importantes para essa HEXnavegação. Em adicional, destaco a proposta registrada no texto do D&D original, de seu uso como "mapas de mestragrem" que não deve ser revelado para participantes, o que reforça uma experiência de interação ficcional em primeira pessoa, exatamente como proposto no d20age RPG.
Curiosidade 1: em minha humilde opinião, a ideia do Gygax de usar esse material como um suplemento extraoficial do D&D foi genial. Obviamente que como se trata de um mapa fixo, isso não permite um grande reaproveitamento, de modo que um mesmo grupo jogando outras campanhas com as mesmas pessoas acabará resultando em desvendamento do mapa de forma não diegética. A solução que a galera setentista encontrou para isso foi um refinamento, usando o material como modelo para a projeção de cenários próprios. Entra aqui, por exemplo, a dupla Lawrence Schic e Tom Moldvay, que jogaram a campanha de Greyhawk de Gygax no período pré-74, e começaram ali (em 1973) o desenvolvimento de seu cenário próprio, chamado de "mundo conhecido", que mais tarde foi aderido ao D&D clássico como pano de fundo (a partir das caixas do D&D-BX em 1981 e da série de aventuras clássicas). Com a entrada de outros autores foi isso sendo expandido até se transformar em Mystara.
Curiosidade 2: um famoso autor de megadédalos (megadungeons) para D&D antigo (desenhadas originalmente sobre o chassi de Labirynth Lord) aloca suas regiões usando como pano de fundo esse mapa-tabuleiro do OUTDOOR SURVIVAL. Caso tenha interesse, o Rafa Massuia fez um artigo sobre isso há uns anos, que você pode ler aqui.
Emancipação: Obviamente que essa proposta de usar como material suplementar um jogo fora da linha D&D era uma solução amadora, e por isso foram publicados materiais oficiais da linha D&D TSR dedicados à HEXnavegação. Um exemplo bem interessante é o capítulo "Projetando um Ermo" (Desinging a Wilderness), que começa na página X54 da caixa Expert do D&D BX de 1981. Outro material robusto sobre o tema foi publicado em 1985, da série famosa de lobada laranja, do AD&D (1e), chamado: Wilderness Survival Guide (Guia para Sobrevivência nos Ermos).
NOTA: esses exemplos ajudam a ilustrar como o uso do jogo de tabuleiro SOBREVIVÊNCIA NOS ERMOS foi ficando no passado, e quase foi esquecido nessa jornada. Nosso objetivo aqui é regatar essa memória, e fazer as adequadas ponderações sobre sua importância, bem como sua potencial usabilidade como referência para o RPG vintage.
XP INDICADO
Caso queira saber mais sobre HEXnavegação (hexcrawling), deixo aqui conteúdos correlatos que indico sobre o tema:
1. Livros do D&D antigo:D&D Expert Set (1981), Wilderness survival guide (1e)
2. Série de fanzines: Filling the blanks (preenchendo as lacunas), de Todd Leback (feitos para Old School Essentials)
3. Lista de vídeos-resenhas em nosso canal sobre HEXnavegação, aqui.
4. Fanzine de minha autoria inspirada no OUTDOOR SURVIVAL: HEXploremos.
6. Blogue Ouro & Glória, de Rafael Balbi, usando a Rules Cycplopedia.
7. Artigo do Rafa Massuia sobre "O mundo de Greg Gillespie".
8. Por fim, e não menos importante, lhe convido a ler todo o capítulo "OFICINA DE DM" (pg 60), do livro d20age RPG, dedicado à tríade: preparo de aventuras, preparo de marco seguro e preparo do mapa regional (em HEX), que pode ser adquirido gratuitamente em versão digital, aqui, mas também tem sua versão física disponível no site do caramelo jogos.
Vida longa ao RPG artesanal!
TUDO É XP
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025
MESA ABERTA - Método Ars Ludi
Por Quiral Alquimista
Há diversas formas de mesas abertas em RPG, o que vou apresentar aqui segue o método que eu e alguns amigos chamamos por aqui na terra dos papagaios de Ars Ludi, publicado por Ben Robbins no blogue homônimo em outubro de 2007. Ele criou essa maneira de conduzir sua campanha nos anos 2000, que durou cerca de de dois anos usando D&D 3e. O que veremos neste artigo são os parâmetros gerais que eu preparei a partir do modelo original Ars Ludi:
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025
D&D gênese
Por Quiral
Alquimista
Há alguns anos eu fiz parte de um coletivo de RPG muito legal chamado “mundos colidem”. Por uma série de peculiaridades paramos com as publicações, mas ainda guardo com carinho a convivência, as experimentações e consegui salvar alguns textos. O que apresento aqui é um artigo que fiz à época, agora revisado, sobre os diversos ingredientes que compunham o caldo primordial do D&D de 1974, te convido a incursionar comigo nos dédalos dessa história!
terça-feira, 4 de fevereiro de 2025
D&D PARA ALÉM DA MARCA
Por Quiral Alquimista
O primeiro RPG publicado na estrutura de jogo como conhecemos foi intitulado: Dungeons & Dragons. Pessoalmente penso que teria sido muito interessante sua localização aqui na terra dos papagaios como “Dédalos & Dragões”, mantendo o D&D como sigla com adequação do significado para nosso idioma. Pois muito bem, isso não foi feito nem no desenho dos anos 1980s, que ficou “Caverna do Dragão”, nem no sistema de jogo, que ficou sem tradução. Uma pena, em minha humilde opinião, fica apenas no nosso imaginário de possiblidades. Minha proposta com este artigo é destrincharmos o que está por trás do nome, para além de sua logomarca, e como isso expressa muito bem a estética e estilo do RPG vintage!
segunda-feira, 27 de janeiro de 2025
Por que usamos o d20?
COMO O d20 CHEGOU EM NOSSA MESA?
Por Quiral
Alquimista
Confesso que tenho um carinho especial pelo dado de vinte faces. Isso provavelmente é óbvio, pois tanto no logo quanto no nome do sistema que desenvolvi há uma clara exposição dessa identificação. O meu convite aqui é incursionarmos nos dédalos das histórias que trouxeram o d20 até o nosso jogo e entendermos sua aplicação para o estilo de RPG que destrinchamos aqui no bloque. Boa aventura!
sexta-feira, 17 de janeiro de 2025
O que é RPG?
O encontro de diferentes escolas
Por Quiral Alquimista
Essa é uma pergunta que pode ser respondida de diversas maneiras. A forma mais comum e operacional envolve, geralmente, apresentar o significado da sigla, do inglês: Role-Playing Game, seguido de uma explicação curta do tipo “um jogo de construir histórias, guiado por regras e pela imaginação” ou alguma derivação disso. O meu objetivo aqui é compartilhar uma visão mais visceral, com um convite a mergulharmos mais profundamente neste assunto.
quarta-feira, 15 de janeiro de 2025
Edições do D&D
Um panorama histórico
Por Quiral Alquimista
Neste artigo apresento a você um panorama geral das principais facetas do Dungeons & Dragons ao longo destes cinquenta e um anos. Trata-se de um breve resumo, pois cada conteúdo será revisitado e aprofundado em outras publicações aqui neste blogue.
Eixos de Alinhamento no D&D - Parte III/III
Por Quiral Alquimista Na parte 01 dessa série vimos como Gary Gygax partiu de uma ideia embrionária no D&D0e para uma mais madura, publi...

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