terça-feira, 25 de março de 2025

SOBREVIVÊNCIA NOS ERMOS (OUTDOOR SURVIVAL)


SOBREVIVÊNCIA NOS ERMOS

por Quiral Alquimista


Em janeiro de 1974 foi publicada a primeira caixa de D&D, contendo dentro os três livretos clássicos, juntos de alguns materiais adicionais. O livreto III: The Underworld & Wilderness Adventures (Aventuras pelo Submundo e Selvagem), possui conteúdo voltado para preparação de aventuras em dédalos e ermos. Eu já escrevi um artigo sobre esse ambiente de submundo místico aqui, e agora o objetivo é mergulharmos no material para aventuras em ermos. Mais especificamente, o que proponho neste artigo é uma resenha sobre o jogo de tabuleiro usado como suplemento extraoficial do D&D original: OUTDOOR SURVIVAL (SOBREVICÊNCIA NOS ERMOS).  

 

SUPLEMENTO (EXTRAOFICIAL) DO D&D ORIGINAL

O Dungeons & Dragons original (0e) tinha todo um arquétipo de fanzine. Dois materiais externos (de fora da linha D&D) e antecessores à sua publicação funcionaram tanto como inspirações e referências durante seu desenvolvimento como também são necessários para jogar o D&D0e, funcionando como material suplementar. O Chainmail, um jogo de estratégia (wargame) publicado em 1971 por Gary Gygax e Jeff Perren, é apontado no corpo do texto do D&D para algumas informações complementares, como características dos povos fantásticos como personagem (anão, elfo e pequenino) ou para habilidades especiais das criaturas no bestiário. Já o material protagonista deste artigo, se trata de um jogo de tabuleiro publicado pela Avalon Hill em 1972, chamado OUTOOR SURVIVAL (SOBREVICÊNCIA NOS ERMOS), que é indicado como suplemento do jogo para a parte de exploração e jornada, funcionando também como “cenário de fundo”. Isso significa que o próprio mapa do tabuleiro era indicado no livro para ser usado como mapa da região do D&D, mas também suas regras de navegação se fazem necessárias para a HEXploração. A seguir apresento um recorte da página 15 do livreto III do D&D 0e:


Tradução
O terreno além das imediações da área do dédalo (dungeon) deve ser desconhecido para participantes (apenas de conhecimento de quem mestra o jogo). Aventuras improvisadas nos ermos são realizadas com uso do jogo de tabuleiro SOBREVIVÊNCIA NOS ERMOS, conforme explicado abaixo. Jornadas exploratórias, como expedições para encontrar terras adequadas para um castelo ou em busca de algum tesouro lendário, são tratadas de maneira totalmente diferente.
SOBREVIÊNCIA NOS ERMOS possui um tabuleiro perfeito para aventuras gerais. Considere as áreas do tipo “sumidouro” como áreas para castelos e ícones de casas como vilas, e o restante do terreno trate conforme indicado.




A TRÍADE VINTAGE COMO ESTRUTURA DE JOGO

Eu considero super interessante a sacada de Gygax de acoplar (extraoficialmente) este jogo de tabuleiro como cenário de campanha no D&D 0e. De fato, o projeto D&D era muito grande, emancipando do mundo dos jogos de estratégia e de tabuleiro. A estrutura básica das campanhas pré-74 (Blackmoor e Greyhawk) eram basicamente focadas nas incursões por um grande castelo recheado de galerias labirínticas, salas desconhecidas, armadilhas letais e criaturas mortais, contendo múltiplos andares, cada um mais profundo e misterioso, em busca de tesouros antigos e esquecidos. Ao longo do jogo personagens avançam estrategicamente, com gestão de risco e recurso, e retornam regularmente à um marco seguro (uma vila ou cidade), para descansos, reabastecimento, recuperação de ferimentos, recrutar auxiliares ou coisas do tipo. E voltam a incursionar de tempos e tempos. Nem Dave Arneson nem Gary Gygax desenvolveram para o D&D uma estrutura de exploração para muito além desse "bate-volta", mas essa adjacência do jogo acaba ocorrendo de maneira emergente. Participantes eventualmente buscavam locais para construir uma base avançada, investigavam rumores sobre outros locais de aventuras ou ainda queriam saber "de onde vieram aqueles orques que nos atacaram na estrada?". Isso exigia uma estrutura de jogo específica, para além do modelo de incursão subterrânea. A solução de improviso foi enxertar o conteúdo desse jogo tabuleiro como um material suplementar. Como a região de ambas as campanhas dos autores era "O Grande Reino", e eles não tinham interesse em tornar isso público, a saída foi indicar o tabuleiro do jogo como mapa de mestragem (sem conhecimento de participantes), para alocação dos marcos de jogo. Para regras de navegação indica-se usar diretamente as regras deste material suplementar, o que é o puro suco do RPG artesanal, simplesmente sensacional! Assim foi composta a tríada estrutural para uma campanha vintage: uma região organizada em uma malha hexagonal (para aventuras em ermos), um megadédalo (para incursões no subterrâneo) e um marco seguro (ponto de partida e retorno para interlúdios). Eventualmente isso permitia novas aventuras emergentes ao longo do jogo, com novos marcos sendo descobertos e abordados. Para entender melhor como funciona essa estrutura de HEXnavegação do "SOBREVIVÊNCIA NOS ERMOS", convido você agora a mergulhar diretamente no conteúdo deste jogo:

 



O QUE É ESSE JOGO?

SOBREVIVÊNCIA NOS ERMOS é um jogo de tabuleiro projetado para duas a quatro pessoas jogarem desafios de exploração em uma região erma, confrontando sede, fome, desorientação, animais selvagens, insetos e perigos naturais, onde a escolha do seu caminho e uma gestão de recursos bem feita pode ser a diferença entre a vida e a morte!

COMPONENTES

O conteúdo do jogo é uma caixa, contendo: 

● 1x tabuleiro de 22’’x 24’’ com diversos terrenos (áreas)

● 4x conjuntos de marcadores 

● 4x fichas de jogo 

● 1x manual de regras

● 1x manual (24 pg) com técnicas de sobrevivência nos ermos

● 1x tabela de movimento (impressa na tampa da caixa interna)

● 5x cartas de cenário de jogo

● 1x dado (d6)

● 1x cartão com regras básicas, indicado para iniciantes


MANUAIS QUE VINHAM NA CAIXA DO JOGO

Dentro da caixa vinham dois manuais, um deles é de regras do jogo, o outro funciona basicamente com um guia Escoteiros do Brasil dos anos 1970, que era basicamente um livreto contendo dicas de sobrevivência, como, por exemplo: tutorial para filtrar água, fazer torniquete ou até mesmo identificação de cobras venenosas. Como esse livreto não tem relação com a estrutura do jogo, não vou aprofundar eu seu conteúdo. A seguir apresento uma fotografia dos dois manuais que vinham dentro da caixa (da esquerda as regras do jogo, da direita o guia de sobrevivência).

  

CENÁRIOS

O jogo possui cinco cenários diferentes, que são uma conjuntura contendo um objetivo, ponto de partida, desafios e tipos de encontros aleatórios.

● Cenário 1 - Perdido: esse é o modo básico, proposto para iniciantes ou para um jogo rápido. Você estava acampando nos ermos e se perdeu, está com pouca comida e água e precisa encontrar o caminho de volta. Vence quem escapar primeiro do tabuleiro (sair por qualquer margem) antes de morrer por inanição ou desidratação.

● Cenário 2 - Sobreviva: este é um modo avançado do cenário 1. Você estava acampando nos ermos e se perdeu, está com pouca comida e água e precisa encontrar o caminho de volta. Vence quem percorrer o caminho certo de volta para casa (você precisa atravessar o tabuleiro, com um ponto de partida mais distante do ponto de saída específico).

● Cenário 3 - Busca: você deve encontrar alguém que se perdeu antes da pessoa morrer nos ermos, mas você também possui poucos recursos. Vence quem encontrar a pessoa primeiro.

● Cenário 4 - Resgate: este é um modo avançado do cenário 3. Você deve encontrar alguém que se perdeu antes da pessoa morrer nos ermos, e resgatá-la para um ponto seguro, mas você também possui poucos recursos. Vence quem trouxer a pessoa primeiro dos ermos.

● Cenário 5 - Perseguir: este é um modo customizável em quatro opções: a) você é um fugitivo de guerra e deve escapar até uma área neutra de guerra; b) você está caçando um fugitivo de guerra e deve capturá-lo antes que escape; c) Uma pessoa joga como fugitiva de guerra e outras precisam captura-la antes que escape; d) você é um caçador e deve capturar uma fera selvagem.

NOTA 1: Cada cenário possui uma conjuntura geral, que define o ponto de partida no tabuleiro, uma tabela para determinar "habilidade orientação", As necessidades de personagens (basicamente como coletar água e comida) e tabela de encontros aleatórios (regra opcional). Cinco cartões de cenários estão contidos na caixa.

NOTA 2: Uma grande vantagem desse jogo é seu alto poder de customização. No próprio manual está registrado uma passagem com essa proposta:

Um dos aspectos mais interessantes de SOBREVIVÊNCIA NOS ERMOS é a oportunidade que o jogo oferece para criar seus próprios cenários. Depois de dominar as mecânicas do jogo, muitas ideias adicionais de cenários diferentes surgirão na sua mente. Integrar essas novas situações com os jogos padrão adicionará prazer e aprimoramento de suas habilidades ao jogo

 

O MAPA-TABULEIRO

O jogo possui um mapa-tabuleiro que simula uma região de aproximadamente 13.200 milhas quadradas, contendo opções desafiadoras, como florestas, desertos, pântanos, rios e montanhas. Há uma malha hexagonal (HEX) sobre este mapa, com escala de 5 milhas / HEX, com objetivo de estruturar a navegação (direção e deslocamento).


Marcos de jogo

No tabuleiro há marcos de jogo registrado:

● Cervo: indica fonte de comida

● Sumidouro: indica fonte de água*

● Trilhas: podem ser usadas estrategicamente na navegação

● Casa: indica acampamento, que servem tanto como ponto de partida no jogo (para cada cenário) como para recuperação de recursos (para postos avançados, indicado em cada cenário). 

* NOTA: além do sumidouro (marco de jogo), vaus e rios também servem como fonte de água (pântanos não, por não serem considerados água potável).  


FICHA E MARCADORES

Uma ficha é usada por cada participante em conjunto com marcadores coloridos que servem para registro da evolução do jogo. As letras numeradas em cada marcador flutua entre A-O, para refletir a condição física atual, chamada de Nível de Vida (NV), sendo "A" o NV inicial, que pode se deteriorar ao longo do jogo. O número impresso no NV indica o Movimento (MV), que expressa quantos pontos podem ser movidos por turno. Isso significa que uma pessoa com nível de vida “A” move por até seis hexágonos livres (custo 1), enquanto uma pessoa debilitada, com Nível de Vida "D", mover-se apenas por 4 hexágonos livres (custo 1). Os marcadores de Índice de Comida (IC) e Índice de Água (IA) são usados para registrar estágio de desidratação ou inanição, que impacta no NV.

Índice de Comida (IC) e Índice de Água (IA): ao final de cada turno, é feita a averiguação se as necessidades básicas (IC ou IA) foram atendidas. Em caso de negativa, para cada caso, move-se o marcador correspondente para o próximo quadro a direita na ficha, indicando sede ou fome. Se isso desencadear em alteração no NV, deve-se também mover o ícone no NV para a próxima letra.

NOTA: este modelo é outro importante vestígio do uso de ficha de personagem no D&D. O “NÍVEL DE VIDA”, por exemplo, tem relação com a ideia dos “Pontos de Vida”, bem como condições (ex.: cansaço ou fome). Embora a Classe de Armadura (CA) e Pontos de Vida (PV) no D&D tenham sido inspirados mais fortemente em jogos de batalha naval (usado para registrar avarias em navios de guerra), acredito que esta estrutura também tenha servido como relevante referência no período pré-74. 

A seguir apresento a imagem da ficha e dos marcadores, disponíveis nas cores: azul claro, amarelo claro, azul escuro, amarelo escuro.


NAVEGAÇÃO

Personagens se movem por turno (que nesse jogo representa um dia), regidos basicamente sobre duas regras: Direção e Deslocamento.

1) Direção: para refletir no jogo a situação de uma navegação por áreas desconhecidas e sem referências prévias de marcos geográficos, a orientação é definida aleatoriamente por um lance de d6 (cada cenário tem uma tabela), que expressa a “habilidade de orientação”. Isso significa que sua agência sobre a navegação só acontece após o dado rolado, com decisão de como se mover com os resultado obtido. A seguir apresento como exemplo a tabela do cenário 1 (tradução pessoal, para facilitar entendimento), com um esquema exemplo ao lado.

2) Deslocamento: o quão longe você pode se mover por dia depende do seu movimento (MV), registrado na sua condição atual (NV). Isso é impactado também pelo tipo de terreno, que possui custo em pontos de acordo com grau de dificuldade de travessia. A seguir apresento a tabela do jogo com tipos de terreno e custo (impressa originalmente no fundo da caixa do jogo).  



Desse modo, se você tiver com movimento 6 (NV "A"), pode-se deslocar por até seis HEX em um dia (turno), caso percorra apenas terrenos simples, trilhas ou vaus. Para se mover por terrenos de maior dificuldade, o custo se impõe sobre este movimento. Pode-se deslocar por qualquer combinação de terrenos, desde que permitido pelo resultado de sua “habilidade de orientação”, com consumo dos pontos de movimento. O movimento final será perdido se não tiver custo suficiente para avançar por aquele terreno, sem acúmulo de pontos.

NOTAS: 1) se durante a navegação você se deparar com uma trilha, ela pode ser tratada como "movimento reto" independente da virada necessária; 2) uma virada não é obrigatória, mesmo que possível pela "habilidade de orientação"; 3) é possível encerrar o deslocamento antes de completar todos os pontos de movimento (inclusive "zero"); 4) caso você seja forçado a sair do tabuleiro pelos movimentos do jogo sem seu desejo, você pode optar por permanecer estacionário no último HEX.


Exemplo ilustrativo: na situação da imagem ao lado o personagem está em uma condição "A", o que indica MV 6. Imaginemos que na "habilidade de orientação" lança-se 1d6 e tira um número "4", o que indica que pode fazer um movimento reto em qualquer direção. Nesse caso, a pessoa decide se mover para o sul. Ela paga custo 1 no primeiro movimento, paga custo 2 no segundo movimento (terreno de floresta) e, nesse momento, pega uma trilha, uma decisão estratégica que permite movimentar-se para o sudoeste, o que mitiga o custo de terreno (trilha tem custo 1) além de autorizar uma virada no fluxo da trilha.



SEQUÊNCIA DE UM JOGO

Para melhor elucidar o funcionamento de uma partida típica, apresento aqui um passo a passo:

Passo 1: Seleciona-se um dos cinco cenários, que deve ser apresentado publicamente. Distribui-se uma ficha e um conjunto de marcadores para cada participante, que ajusta a configuração inicial e coloca seu marcador de condição "A" no tabuleiro, no número inicial indicado pelo cenário.

Passo 2: Determina-se a iniciativa (d6), por ordem decrescente de resultado (joga primeiro quem tirar o maior número).

Passo 3: Início do turno (dia) do jogo. A primeira pessoa da iniciativa lança sua "habilidade de orientação" e decide sua navegação a partir do resultado. 

Passo 4: Consulta-se as "necessidades" (cenário adequado) para atualizar demanda por IC e IA na ficha. Exemplo (CENÁRIO 1): NECESSIDADES você satisfaz suas necessidades diárias de comida se parar em um HEX de alimento e de água de parar em um HEX com fonte d’água potável (sumidouro, vau ou rio).

Passo 5: Se as alterações de Índice de Comida ou Índice de Água provocarem mudança no Nível de Vida, atualize adequadamente sua ficha. Troque o marcador da condição atual de seu personagem no tabuleiro adequadamente.

Opcional: Os passos 6 e 7 são apenas quando usado a regra de Encontro Aleatório (regra opcional). Caso contrário, pule diretamente para o passo 8.

Passo 6: Ao final, do seu turno (dia), lance 1d6, no resultado 1-4, o dia termina, salte o Passo 7 e pule para o Passo 8. Caso o resultado no dado seja 5 ou 6, significa Encontro Aleatório (EA)! Consulte a regra de EA.

Passo 7: Após resolver o EA, repita o passo 5, depois vá para o passo 8.

Passo 8: Encerra-se a sua vez no turno (dia). Agora é a próxima pessoa da iniciativa, que inicia suas ações no passo 3. Repita esse processo até que o jogo seja concluído.

 

ENCONTRO ALEATÓRIO (REGRA OPCIONAL)

Um importantíssimo vestígio fundacional do encontro aleatório em D&D está registrado nesse jogo. No começo de uma sessão participantes devem escolher se vão jogar com ou sem encontro aleatório. Essa alternativa torna o jogo mais difícil (o que eu acho muito mais legal, diga-se de passagem). 

Quando ocorre um EA? 

Ao final do turno cada participante lança 1d6, os resultados 5 ou 6 indicam que naquele dia ocorre um evento. Nesse caso a pessoa anuncia previamente qual tipo de encontro prefere enfrentar: 

a) perigos naturais: algo como uma chuva forte ou ventania 

b) animais/insetos: algo como um enxame de abelhas ou uma fera selvagem

c) pessoal: algo como uma indigestão ou doença 

Alternativa: também é possível usar essa ferramenta de forma aleatória. Ao invés da pessoa anunciar qual tipo de desafio irá enfrentar, isso é determinado por um novo lance de 1d6, sendo 1) desafio natural; 2,3) animais/insetos; 4,5,6) pessoal.  



NOTA: obviamente que eu gosto mais do jogo com Encontro Aleatório, mas me peguei pensando se a opção aleatória para o tipo de encontro é uma alternativa interessante, uma vez que decidir qual desafio irá enfrentar imprime uma dinâmica de jogar com a sorte de maneira super interessante. Se você observar a tabela de jogo, o encontro do tipo "pessoal" possui duas alternativas boas (1 ou 2), mas quatro ruins. As outras possuem 50% de chance de nada acontecer, mas os eventos ruins são mais pesados.  

 

CONSIDERAÇÕES QUIRAIS

Posso dizer sem sombra de dúvidas que se eu tivesse esse jogo de tabuleiro em mãos ali nos anos 1990s eu iria jogar todos os cenários, diversas vezes. Achei sensacional e tenho vontade de imprimir o material e fazer uma versão caseira para experimentar. 

Como material suplementar do D&D original esse material serve para uso direto ou como tutorial para preparação de uma região organizada em HEX, onde podem ser alocados os marcos de jogo, importantes para essa HEXnavegação. Em adicional, destaco a proposta registrada no texto do D&D original, de seu uso como "mapas de mestragrem" que não deve ser revelado para participantes, o que reforça uma experiência de interação ficcional em primeira pessoa, exatamente como proposto no d20age RPG

Curiosidade 1: em minha humilde opinião, a ideia do Gygax de usar esse material como um suplemento extraoficial do D&D foi genial. Obviamente que como se trata de um mapa fixo, isso não permite um grande reaproveitamento, de modo que um mesmo grupo jogando outras campanhas com as mesmas pessoas acabará resultando em desvendamento do mapa de forma não diegética. A solução que a galera setentista encontrou para isso foi um refinamento, usando o material como modelo para a projeção de cenários próprios. Entra aqui, por exemplo, a dupla Lawrence Schic e Tom Moldvay, que jogaram a campanha de Greyhawk de Gygax no período pré-74, e começaram ali (em 1973) o desenvolvimento de seu cenário próprio, chamado de "mundo conhecido", que mais tarde foi aderido ao D&D clássico como pano de fundo (a partir das caixas do D&D-BX em 1981 e da série de aventuras clássicas). Com a entrada de outros autores foi isso sendo expandido até se transformar em Mystara

Curiosidade 2: um famoso autor de megadédalos (megadungeons) para D&D antigo (desenhadas originalmente sobre o chassi de Labirynth Lord) aloca suas regiões usando como pano de fundo esse mapa-tabuleiro do OUTDOOR SURVIVAL. Caso tenha interesse, o Rafa Massuia fez um artigo sobre isso há uns anos, que você pode ler aqui.  

Emancipação: Obviamente que essa proposta de usar como material suplementar um jogo fora da linha D&D era uma solução amadora, e por isso foram publicados materiais oficiais da linha D&D TSR dedicados à HEXnavegação. Um exemplo bem interessante é o capítulo "Projetando um Ermo" (Desinging a Wilderness), que começa na página X54 da caixa Expert do D&D BX de 1981. Outro material robusto sobre o tema foi publicado em 1985, da série famosa de lobada laranja, do AD&D (1e), chamado: Wilderness Survival Guide (Guia para Sobrevivência nos Ermos). 

NOTA: esses exemplos ajudam a ilustrar como o uso do jogo de tabuleiro SOBREVIVÊNCIA NOS ERMOS foi ficando no passado, e quase foi esquecido nessa jornada. Nosso objetivo aqui é regatar essa memória, e fazer as adequadas ponderações sobre sua importância, bem como sua potencial usabilidade como referência para o RPG vintage. 

XP INDICADO

Caso queira saber mais sobre HEXnavegação (hexcrawling), deixo aqui conteúdos correlatos que indico sobre o tema:

1. Livros do D&D antigo:D&D Expert Set (1981), Wilderness survival guide (1e)  

2. Série de fanzines: Filling the blanks (preenchendo as lacunas), de Todd Leback (feitos para Old School Essentials)

3. Lista de vídeos-resenhas em nosso canal sobre HEXnavegação, aqui.

4. Fanzine de minha autoria inspirada no OUTDOOR SURVIVAL: HEXploremos

6. Blogue Ouro & Glória, de Rafael Balbi, usando a Rules Cycplopedia

7. Artigo do Rafa Massuia sobre "O mundo de Greg Gillespie".

8. Por fim, e não menos importante, lhe convido a ler todo o capítulo "OFICINA DE DM" (pg 60), do livro d20age RPG, dedicado à tríade: preparo de aventuras, preparo de marco seguro e preparo do mapa regional (em HEX), que pode ser adquirido gratuitamente em versão digital, aqui, mas também tem sua versão física disponível no site do caramelo jogos.  


Vida longa ao RPG artesanal!


TUDO É XP

4 comentários:

  1. Top Quiral adorei o texto e saber mais sobre como foi o surgimento dos mapas hex no dnd achei muito massa! Vida longa ao RPG artesanal!

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    1. Oi Bruno, muito obrigado pelo comentário!
      Às vezes fico com a estranha sensação de que estou "falando" sozinho aqui no blogue :P

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  2. Que pena que no Brasil não tivemos a tradição de jogos de tabuleiro diferentes de War, Banco Imobiliário e aqueles de ver quem chega no final primeiro jogando os dados e andando de casa em casa. Muito bacana ver em detalhes a origem da Hexploracao que muita gente deve pensar que é algo moderno.

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    1. Salve Rafa. Pois é, percebo que os jogos de tabuleiro aqui no Brasil se popularizaram no final dos anos 1980s e ao longo dos anos 1990. Acabou que perdemos uma boa geração de jogos bem interessantes, alguns (como Diplomacy, Tratics e Outdoor Survival) diretamente relacionados à origem do D&D!

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