Por Quiral Alquimista
No ano de 2017 eu assisti a uma aventura ao vivo que era uma divulgação do Dungeon Crawl Classics RPG pelo lançamento do financiamento coletivo de sua versão em português. Logo de imediato fiquei encantado com a primeira camada que percebi do sistema, com seus dados estranhos, as artes em preto e branco, personagens nível zero, todo o conteúdo em um único livro e alguns outros fatores que talvez eu apresente aqui oportunamente em um artigo dedicado. Para manter o foco, simplifico lhe dizendo que a experiência DCC-RPG foi crucial para os movimentos que fiz em seguida, como a curiosidade por suas origens, o que me levou a conhecer essa tal de OSR. Uma sigla do inglês para Old School Revival (ou Old School Renaissance) que significa algo como “O Resgate da Escola Clássica”. Posso dizer, sem sombra de dúvidas, que a XP que conquistei a partir de materiais e pessoas que interagiam com a OSR mudou para sempre minha vida como RPGista. Eu já tinha algo em torno de 25 anos de RPG, e nunca tinha visto nada tão valioso. Eu sei que esse é um termo em disputa, e que talvez você já tenha encontrado outras definições ou formas de explicar a coisa por aí. Este artigo se trata de uma leitura própria dos acontecimentos, ancorada em evidência concretas, com análise crítica e objetiva dos fatos.
ANOS 2000 E A TERCEIRA EDIÇÃO DO D&D
Para entender o que foi a OSR, é fundamental que se compreenda muito bem o cenário dos anos 2000s e a terceira edição do D&D. Eu não prestei atenção nisso à época, pois estava envolvido em campanhas com esta nova edição (e sua versão revisada, a 3.5), e mais tarde, em 2008, abracei a 4ª edição. Não era necessário ter a visão além do alcance de Thundera, pois o que eu não percebi foi um elefante na sala.
Em 1997 a Wizards of the Coast (WotC), uma empresa que crescia muito rapidamente a cada ano, anunciou a compra da TSR e de todos os produtos que a pertencia. Dentre eles e o maior RPG de todos os tempos: Dungeons & Dragons. As dívidas da TSR foram assumidas como parte da aquisição e muitos imbróglios, dentre elas pendências de royalties com Dave Arneson, o que permitiu uma decisão estratégica de remover o “Advanced” da linha AD&D e lançar sua terceira edição como Dungeons & Dragons. Eventualmente os escritórios corporativos da TSR foram completamente fechados, e foi nessa janela de transição que se tomou a decisão mais importante e central da história que trato neste artigo: o lançamento da terceira edição do D&D sob o comando dos três projetistas de jogos: Monte Cook, Jonathan Tweet e Skip Williams.
No meio dessa história, e na esteira do sucesso crescente da WotC com Magic: The Gathering e fermentação da nova edição do Dungeons & Dragons que a WotC foi adquirida pela Hasbro em 1999 por aproximadamente 325 milhões de dólares, se tornando assim um departamento estratégico de jogos dentro da gigante do entretenimento.
Embora eu já tenha tratado desse assunto de forma resumida no artigo sobre as edições do D&D, acredito que, para os fins da nossa discussão atual, é relevante compreendermos dois aspectos-chave: o novo sistema foi, pela primeira vez, alterado drasticamente para funcionar sobre uma mecânica centralizada no d20 e essa edição foi lançada junto de uma abertura do Documento de Referência do Sistema (do inglês System Reference Document, SRD) com uma licença aberta de jogos (do inglês Open Game License, OGL).
Forte impacto na jogabilidade
A nova estrutura de regras impactou profundamente toda a jogabilidade do D&D, que foi drasticamente alterada em seus três eixos: sistema, mentalidade e estética.
1) Sistema: regras e sua usabilidade - As regras passaram a ser interconectadas por uma mecânica central de resoluções de conflito, que gira em torno do lance de um d20 + modificadores, contra um número alvo, o que ficou conhecido como “sistema d20”. Todo o sistema foi estruturado sobre uma alta granularidade, com progressão numérica importante, de forma que pequenas escolhas mecânicas (ex.: perícias, talentos, combinação de classes) impactam significativamente na forma de jogar, incentivando uma construção “engrenada”. As movimentações táticas passaram a ter grande peso, de forma que usar grades de batalha com medição exatas ganharam muita relevância para definir com acurácia posição, alcance e áreas de efeito.
2) Mentalidade: é a forma de pensar que se adota ao se engajar com um jogo - A mudança estrutural do sistema alterou a forma como se racionaliza o jogo, com mais enfoque no pensamento tático e otimizador. Personagens “bem construídos” são parte fundamental desse jogar, pois o sistema foi projetado para oferecer uma ampla variedade de escolhas mecânicas, fingindo uma maior liberdade, mas com diversas “opções armadilha” (trap options), que são escolhas apresentadas como viáveis, mas significativamente menos eficazes do que outras. Essas opções subótimas são construídas para que participantes menos experientes as escolham por parecerem interessantes ou temáticas à primeira vista, e aprendam com seus erros ao longo do jogo. Isso significa que “jogar bem” envolve uma evolução de maestria do sistema (system mastery). Isso vem casado com o que é chamado de economia de ações, que envolve uma preocupação concentrada em não desperdiçar opções de ações em um combate: ação, movimento, ação rápida, ataque de oportunidade.
Eu costumo chamar isso de “um jogo fora da mesa”, pois demanda estudar o sistema e melhor dominar suas opções de forma técnica, o que leva à mentalidade para buscar sinergias e otimizações, chamadas de “min-máx”, que envolve reduzir ao mínimo possível características que não trazem benefício direto e maximizar as características que geram maior vantagem mecânica.
3) Estética: envolve interações endógenas e exógenas com o jogo - As interações endógenas são os cenários, o mundo ficcional. No D&D 3e o uso de cenários completos e detalhados, como Forgotten Realms, passou a ser o padrão, principalmente os que possuem relação simbiótica com o sistema, com ênfase em personagens poderosos, magia abundante como ciência estruturada (listas, escolas, componentes) com civilizações complexas, panteões, e uma fantasia “explicada”. O cenário de Eberron, por exemplo, é considerado como a melhor expressão desta edição, lançado após vencer um concurso promovido pela WotC em 2002, destaca-se por suas características de magia onipresente e tecnologia fantástica, amplamente usadas no cotidiano, com seus trens elementais, bancos e toda sua pegada de steampunk mágico. Naturalmente aventuras e cenários caseiros começam a perder espaço para materiais oficiais, que entrelacem intrinsicamente com a 3e.
Já as interações exógenas envolvem a forma como o jogo é apresentado às pessoas. Tem a ver com suas artes, diagramação, linguagem e referências. As ilustrações são de realismo técnico, com ênfase em heróis poderosos em ambientes fantásticos. Os textos foram escritos de forma normativa, com objetivo de transmitir informações claras para priorizar a interpretação estrita e literal das regras oficiais do jogo, com valorização para uma homogeneização de decisões. Isso significa que parte da proposta desse jogo envolve ter um sistema como ferramenta mediadora para um jogo certo e justo, com espaço reduzido para opiniões subjetivas. Essa estética impacta na mentalidade de um jogo que valoriza a fidelidade ao sistema, a uniformidade nas decisões e o domínio técnico das regras como caminho para uma experiência equilibrada.
Um ataque de oportunidade? A OGL 1.0a e suas possibilidades
O outro ingrediente-chave que compõe esse caldo foi a OGL 1.0a. Ela foi introduzida com a intenção de que qualquer pessoa, editora comercial ou não comercial, pudesse produzir materiais para D&D, de forma terceirizada, usando o chassi do Documento de Referência do Sistema (do inglês System Reference Document, SRD), sem pagar pelo uso da propriedade intelectual associada. A intenção por trás disso era lançar uma isca para ser mordida por profissionais ou amadores do RPG, que passariam a produzir conteúdo generalizado para D&D. Nascia assim a era do “sistema d20” (do inglês d20 system), estratégia que resultou em uma inflação de materiais e contribuiu de forma decisiva para consolidar o D&D como a marca principal do RPG, ampliando sua base de jogadores e conteúdo. Embora essa ideia tenha sido de grande sucesso comercial, ela teve alguns efeitos colaterais. Nada que fizesse cócegas na gigante WotC/Hasbro, mas crucial para o que abordo neste artigo: o surgimento do movimento OSR. A OGL não apenas abria a SRD da terceira edição do D&D, mas de qualquer edição anterior, permitindo assim que as versões antigas do D&D da era TSR fossem “liberadas” e adaptadas, dando base legal para o que viria ser a base fundacional da OSR.
Como surgiu a OSR?
Já no começo dos anos 2000 ocorreu sua fermentação por meio de algumas editoras que lançaram produtos para a terceira edição prometendo o espírito das edições antigas, como a Necromancer Games (2000) ou a Goodman Games (2003), esta que lançava a linha de aventuras Dungeon Crawl Classics (DCC), e que cerca de dez anos depois lançaria um sistema próprio (o DCC-RPG, que comentei no início deste artigo).
Logo nessa esteira veio uma proposta ainda mais ousada, a editora Kenzer & Company lançou o jogo Hackmaster em maio de 2001. O sistema foi inicialmente fictício, na forma de uma paródia de D&D jogado por personagens de história em quadrinhos, na segunda metade dos anos 1990s. Havia uma comoção de fãs para produção do jogo real, que acabou sendo possibilitada em 2001, lançada como uma 4ª Edição, uma brincadeira e homenagem às versões fictícias anteriores dos quadrinhos. A inovação aqui foi sua construção sobre as regras hibridizadas de AD&D1e, AD&D2e e vários suplementos da era TSR. Embora eu não saiba afirmar com acurácia sobre seu potencial retrocompatível, dentro do meu conhecimento este foi o primeiro sistema a ousar um rumo oposto ao da WotC e sua 3ed do D&D, sendo uma espécie de proto-OSR. Alguns imbróglios jurídicos acabaram levando à K&C a uma reestruturação em uma nova edição, lançada em 2009, na forma de Hackmaster Basic, já projetado com regras diferentes das dos D&Ds para evitar problemas contratuais.
Outro exemplo importante desse período embrionário foi o Castles & Crusades, projetado por Davis Chenault e Mac Golden. Na GenCon de 2004 eles trouxeram uma tiragem limitada de 1.000 caixas brancas, para relembrar a edição setentista do D&D, contendo três livretos e dados "Zocchi" com números sem pintura e um giz de cera (para colorir os números dos dados). Tratava-se de uma espécie de jogo rápido do que foi lançado no final daquele ano, e logo teve apoio valioso de Gary Gygax e Rob Kuntz, que usaram as regras de C&C para ressuscitar sua antiga campanha de D&D, Castle Greyhawk (agora renomeada como Castle Zagyg). A estrutura geral do C&C foi montada sobre as regras da 3ª edição do D&D, mas ele carregava fortes credenciais do D&D antigo pela participação de GG e Kuntz. Embora o entusiasmo inicial tenha sido grande, ele veio acompanhado logo em seguida de inúmeras reclamações sobre o desalinhamento do sistema com a jogabilidade do D&D antigo, o que acabou impulsionando o público para outros rumos.
É perfeitamente possível conectar o surgimento do movimento OSR com a popularização da internet, com o avanço da banda larga e a consolidação de fóruns e blogues, o que foi decisivo para o processo. Espaços como Dragonsfoot Knights & Knaves Alehouse reuniram entusiastas do D&D antigo, permitindo um debate contínuo sobre sua jogabilidade (que significa: sistema, mentalidade e estética). Blogues como Grognardia surgiram como espaço de crítica e reflexão sobre o RPG, o que influenciou fortemente na construção da primeira identidade deste movimento. De maneira bastante direta, a OSR despontou como uma resposta crítica à terceira edição. Embora esses materiais não tivessem mais suporte direto, o acesso aos PDFs da era TSR por versões escaneadas ou republicadas legalmente permitiu um contato inicial com a nova geração. Em adicional, plataformas como DriveThruRPG viabilizaram versões físicas por impressão sob demanda (PoD, do inglês Print on Demand). Isso tudo ocorreu em meio à “guerra de edições” do D&D, com fervorosos embates sobre quais edições são válidas ou não para esse resgate. No começo, o AD&D de Gygax foi a versão mais destacada, pois as edições em caixas do D&D (BX ou BECMI) eram apontadas como um “D&D infantil”, embora houvesse quem defendesse que eram opções mais fluídas e objetivas, atendendo melhor ao interesse geral. Para muita gente o AD&D2e era muito próximo do 3e, não sendo “antigo o bastante”. Eu não vou aqui entrar nesse mérito, pois acredito que ao longo desse texto teremos maior capacidade de olhar para a coisa com toda a sua complexidade. O fato é que nesse tipo de ambiente emergiram novos títulos inspirados, retrocompatíveis e intercambiáveis ao D&D antigo, usando a OGL como ferramenta de rompimento com a WotC e sua 3e. Nasceu assim o BFRPG (Basic Fantasy RPG), de Chris Gonnerman, em janeiro de 2006, que tinha como proposta recriar a edição B/X de 1981. Mas era um material incompleto e com algumas distorções, muito impactadas pelo receio de uma maior proximidade com as regras do D&D antigo e um potencial enfrentamento jurídico com a WotC. Na minha forma de ver a coisa, isso foi uma certa evolução do que foi o trabalho de K&C, com o Hackmaster. Logo em seguida veio um primoroso trabalho de Matt Finch e Stuart Marshall com o OSRIC (Old School Reference and Index Compilation) lançado também em 2006, como um compilado bem fiel ao AD&D1e.
Considero importante abrir uma nota especial para o grande Matt Finch, uma pessoa fundamental para o fortalecimento do movimento OSR. Ele iniciou como RPGista no final dos anos 1970s, com AD&D1e, e foi o responsável pelo rascunho inicial do OSRIC, repassado depois a Stuart Marshal para finalização, edição e impulsionamento. Como advogado (aposentado), Finch mergulhou nos detalhes jurídicos dessa inovadora e destemida incursão de usar as regras do D&D antigo em um novo produto, e partiu dele o reconhecimento da legalidade desse tipo de publicação, permitindo com que OSRIC ocupasse o lugar de destaque como um arrojado produto de altíssima similaridade com as regras da era TSR. Em adicional, em 2008, ele também lançou um importante material introdutório chamado: “Guia Rápido Para o Estilo de Jogo Antigo” (em inglês: A Quick Primer for Old School Gaming), conciso e prático, com objetivo de permitir com que novas pessoas conhecessem sua jogabilidade proposta com o D&D0e, com ótimos exemplos de contraste com a jogabilidade da terceira edição do D&D.
O lançamento de OSRIC permitiu que diversos outros autores acompanhassem a ideia, e logo vieram outras propostas, como Labyrinth Lord (2007, no chassi do BX) de Daniel Proctor, Swords & Wizardry, do próprio Matt Finch (2008, no chassi do 0e) e a republicação completa do BFRPG (2008, também no chassi de BX).
Nasceu assim, a primeira geração da OSR, uma era de “retroclones” do D&D, novos sistemas construídos sobre o chassi de regras do D&D antigo, que permitiam maior acessibilidade, com clarificações, com proposta de melhor diagramação e correção de erros óbvios. Alguns com maior presença autoral, com intervenções mais presentes, outros de forma mais sutil, mas no geral, retrocompatíveis e intercambiáveis entre si e, principalmente, ao D&D da era TSR.
Mais tarde (já na transição da 5e para a 5.5e), no início de 2023, a WotC tentou substituir a OGL 1.0a por uma nova atualizada e mais restritiva, a OGL 1.1. Essa nova licença impunha cláusulas que davam à WotC mais controle sobre o conteúdo criado por terceiros. Uma forte reação veio da comunidade RPGistica, e essa mobilização acabou promovendo um recuo. Não vou tratar com mais profundidade esse assunto, pois essa treta não tinha como alvo principal o movimento OSR (que poderia sim, sofrer algum efeito colateral). Para isso deixo um vídeo sobre o tema, aqui.
No final das contas, o que isso tudo significa? Ao longo dos anos 2000 a OSR foi um movimento que emergiu de forma colaborativa e descentralizada, norteado pelo enfrentamento da terceira edição do D&D com uma proposta de resgate e amadurecimento da jogabilidade do D&D antigo, com liberdade de criar, adaptar e publicar materiais caseiros.
Poderíamos encerrar o artigo aqui. Entendo que este resumo já é suficiente como uma introdução geral sobre o que foi, de fato, a OSR. Mas faço agora um convite para mergulharmos um pouco mais em busca das correlações de tudo isso com uma série de eventos que ocorreram ao longo dos anos 1980s, alterações e incorporações extremamente impactantes que contribuíram em maior ou menor grau para uma transformação do Dungeons & Dragons de um estilo de jogo para uma logomarca extremamente lucrativa.
O INTERREGNO 80ista: A SILENCIOSA METAFORFOSE
Vejo os anos 1980 como uma década de transição. Embora muitos eventos desse período possam parecer sutis quando analisados isoladamente, ao considerá-los em conjunto, é possível perceber um panorama de mudanças interligadas que acabaram culminando na 3ª edição em 2000. A seguir, destaco o que considero os principais pontos desse processo:
O pânico moral
Tudo começou em 1979, com o famoso caso de James Dallas Egbert III, um jovem de 16 anos que desapareceu no campus da Universidade Estadual de Michigan. Um investigador particular, William Dear, foi contratado pelos pais de James para encontrar o filho. Apesar de aparentemente não fazer ideia do que seja RPGs, Dear se precipitou para apontar suas verdades distorcidas e mal investigadas, conectando falsamente o D&D ao caso do desaparecimento. O que se descobriu ao longo do tempo é que Egbert sofria de depressão e de dependência química, e havia se escondido nos túneis sob a universidade em um episódio de automutilação. Como diria Friedrich Nietzsche: “as convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras”. Explorando essa linha de pensamento, eu diria que essa mentira, seja por desconhecimento ou intenção, bateu muito fácil e forte nos corações tomados pela ideologia. Isso desencadeou ataques diretos ao jogo, como o terrível filme (baseado no livro homônimo) com um jovem Tom Hanks, Labirintos e Monstros, de 1982. O suicídio de Egbert com arma de fogo em 1983 foi mais um episódio que levou os fundamentalistas religiosos a tentarem conectar seu caso ao D&D, mesmo com todas as evidências apontando para seus problemas de saúde mental e dependência química.
Outro exemplo relevante do pânico satânico (ou pânico moral) ocorreu em 1982, com o estudante do ensino médio Irving Lee Pulling, que cometeu suicídio com arma de fogo. Mesmo com as investigações (como exemplificada no artigo da Washington Post) fortemente indicarem o caso com fatores psicológicos, a mãe de Irving, Patricia Pulling, apontou a TSR e o diretor da escola como responsáveis, alegando que o filho fez o que fez por uma maldição lançada sobre seu personagem durante um jogo, e que isso foi real. Mesmo com a rejeição do tribunal, Pulling seguiu fomentando o ódio contra o D&D, criando uma campanha: Bothered About Dungeons and Dragons (BADD) em 1983 (que significa algo como “indignados com Dungeons & Dragons”, com a sigla também soando como a palavra "bad”, de “mau”). No movimento o jogo era descrito como: “um jogo que incentiva o ocultismo, o satanismo e práticas perigosas que colocam em risco a mente e a vida dos jovens, promovendo violência, suicídio e afastamento da realidade, corrompendo os valores familiares e religiosos. É uma porta aberta para influências demoníacas e comportamentos destrutivos.”.
Assim como na caça às bruxas, o pânico moral dos anos 1980 projetou ansiedades sociais em alvos simbólicos — movimentos de contracultura foram fortemente atacados. O rock & roll era acusado de incitar satanismo, abuso de drogas e crimes, o movimento LGBTQ+ foi estigmatizado pela AIDS e os RPGs apontados como ferramentas que estimulavam o desenvolvimento de transtornos mentais, ocultismo e suicídio. Racionalizo aqui um pensamento alinhado ao de Silvia Federici: “criminaliza-se a imaginação e autonomia em nome da ordem social”.
Isso exemplifica muito bem um novo cenário que a TSR precisava enfrentar, o que nos permite melhor compreender que os movimentos que vieram a seguir não foram simplesmente por gosto ou preferência, mas também uma estratégia de reposicionamento do D&D para confrontar esses novos desafios. Deixo aqui um recorte de um jornal dos anos 1980, para ilustrar os obstáculos que precisavam ser superados.
Lombada Laranja: a passagem de identidade do AD&D1e para 1.5e
Como já dizia Phineas T. Barnum: “não existe publicidade ruim". Apesar dos grandes problemas que o pânico moral trouxe à TSR, também permitiu que o D&D furasse bolhas. A caixa básica de Holmes de 1977 explodiu de vendas, o que levou a empresa a tomar duas importantes decisões: a primeira foi abrir um departamento novo para promover uma nova linha, paralela ao AD&D, que mais tarde passou a ser conhecida como "D&D clássico", iniciada com o projeto BX(C). A outra foi revigorar o AD&D para uma nova era. A tríade do AD&D de Gary Gygax foi revisada e relançada em 1983, com as capas de Jeff Easley, com uma chamativa e inovadora lombada laranja. Essa nova coleção também inaugurou toda uma nova série de suplementos, como os famosos: Unearthed Arcana, Oriental Adventures, Dungeoneer Survival Guide e Wilderness Survival Guide. Essa coleção promoveu inserções importantes ao AD&D, tanto em estética como em novas regras. Isso foi um marco, pois os novos materiais lançados passaram a considerar essas novas regras como inerentes ao jogo, o que impactou diretamente sua jogabilidade, como a introdução do teste de atributo e sistema de perícias generalizado para além da classe de ladrão. Jogar RPG com a trinca básica do AD&D dos anos 1970s era muito diferente do que usar o conteúdo da coleção lombada laranja com suas novas regras, experiência embrionária para o que viria a ser uma inflação de suplementos nos anos 1990s com o AD&D2e, reproduzida na terceira edição.
As (muitas) caixas do D&D
O projeto BX(C) foi materializado em 1981 em duas caixas, uma magenta, a Básica (Basic) de autoria de Tom Moldvay, e uma azul, a Experiente (Expert), de Steve Marsh e David “Zeb” Cook. Nascia assim, o famoso D&D BX. A terceira caixa (“C”) acabou não sendo lançada, pois todo o material passou paras as mãos de Frank Mentzer, que resetou tudo e relançou uma nova coleção do D&D em caixas, conhecido como BECMI (Basic, Expert, Companion, Master, Immortal), visualmente marcantes com arte de Larry Elmore e com a intenção de uma progressão modular, com camadas graduais de complexidade, permitindo campanhas de níveis 1-36 e imortais. Essa coleção de D&D em caixas, iniciada com Holmes em 1977 (ou ainda com o D&D0e de 1974) ficou conhecida como D&D clássico, inicialmente ambientado em um cenário genérico, chamado de “Mundo Conhecido”, que ao longo dos anos 1980 evoluiu e se consolidou como Mystara. Um cenário complexo que incorporava diversas regiões desenvolvidas nas aventuras e suplementos dos anos 1980, com aditivos vindos de uma série de revistas chamadas Gazetters. Para muita gente, “a completa experiência D&D” passou a significar jogar longas campanhas, do nível 1 até 36 (e além, como imortais).
Assim como algumas novas regras mudaram significativamente a forma de se jogar AD&D, materiais que trabalham grandes evoluções verticais (níveis 1-36 e imortais) com um inflado cenário promovem uma outra forma de engajamento. Enquanto jogar nos níveis iniciais geralmente se usa de simplicidade com tom aventuresco, quando isso é ambientado em um cenário excessivamente detalhado combinado com um sistema com 36 níveis ocorre uma subversão. Isso porque a presença de uma escala de progressão fortemente vertical gera uma expectativa de evolução para o épico, e isso é complementado por um cenário amplo, extenso e profundo, recheado de informações pré-estabelecidas. Naturalmente isso gera menos espaço para introdução improvisada e orgânica de conteúdo, o que colide com o que eu chamo de espírito aventuresco, que significa um jogo rasteiro, com alto risco de letalidade, onde coisas mundanas são desafios significativos, como atravessar um rio ou encontrar um local seguro para acampar.
Em 1982 Tracy Hickman e Laura Hickman propuseram para a TSR uma série de três módulos apresentando um arco de mundo dominado por dragões malignos. Isso combinou com a ideia de Gary Gygax de fazer uma série de 12 módulos focados nos dragões oficiais Manual de Monstros, e assim foi dado início o projeto de codinome "Projeto Soberano” (em inglês: Overlord Project). Embora o grupo original incluísse Tracy Hickman, Harold Johnson, Larry Elmore, Carl Smith e Jeff Grubb, ao longo do trabalho ficou decidido que uma trilogia de romances de fantasia seria lançada com os módulos, e assim Tracy Hickman se juntou à Margaret Weis (editora do departamento e livros da TSR) para produção das Crônicas de Dragonlance, que foram lançadas a partir de 1984. Em 1987 foi publicado o livro Aventuras em Dragonlance, na coleção lombada laranja.
Nesse interstício foi também publicado o famoso módulo Ravenloft (I6), para AD&D, em 1983. Embora sua estrutura possua muitos aspectos do horror gótico de Drácula da Transilvânia, que fortemente inspiraram os sombrios Dédalos de Blackmoor de Dave Arneson, é possível encontrar na I6 elementos de enredos narrativos.
A inovadora combinação de materiais de RPG com uma envolvente saga literária culminou em um novo fenômeno cultural, estabelecendo Dragonlance como um dos cenários mais populares e influentes da época. O detalhado mundo de Krynn com personagens memoráveis, apresentados na forma de uma vasta coleção de sagas literárias, foi interpretado por executivos da TSR como uma fórmula exitosa a ser estabelecida como padrão. Isso rompeu fortemente com a forma como aventuras eram planejadas, com um novo direcionamento para novos produtos que foram lançados já no final dos anos 1980s e expandiram-se para os anos 1990s, principalmente após o lançamento do AD&D2e.
A combinação de um cenário base de RPG, diversos suplementos derivados e sagas literárias passou a ser um modelo, no D&D clássico isso veio com as Gazetters de Mystara (1987) e seus contos, no AD&D1e (e logo depois AD&D2e), com materiais como: Forgothen Realms (1987+1e, 1989+2e), Ravenloft (1983+ 1e, 1990+ 2e), Dark Sun (1991), Planescape (1994), Birthright (1995).
Esse tipo de produção gera uma outra forma de conexão com o jogo. Há muito mais estruturas de enredos pré-preparados, maior tendência de gerar expectativa de vivenciar essas sagas no RPG, o que realinha o D&D para um espírito de jogo mais narrativo, menos estratégico.
A Era da Rainha dos Números
Após a caótica expansão da TSR nos anos 1980, a entrada de novos investidores e erros administrativos, Gygax perdeu o poder executivo e acabou afastado após uma derrota no embate com Lorraine Williams, que assumiu as rédeas e imprimiu uma visão bem mais empresarial. Esse é, talvez, o mais marcante evento que ressignificou Dungeons & Dragons como expressão do estilo de jogo para uma logomarca altamente promissora como produto. A saída de GG marcou o fim de sua influência direta sobre D&D, o que permitiu à nova gestão aplicar uma série de mudanças: uma nova edição (AD&D2e) foi lançada em 1989, tanto para o descolamento de vez de GG da marca como também para ser a base de uma nova era da TSR. O jogo passou por uma ainda maior “higienização”, tanto para se afastar de vez do pânico moral, como para expandir seus horizontes em busca de um novo e maior público, enfatizando ainda mais o estilo heroico. A principal mudança nesse sentido foi passar a XP por tesouros para regra opcional, como um claro movimento de não mais diretamente conexão com personagens do tipo “ladrões de tumbas”. A mecânica central do D&D antigo (1 XP = 1 po) era agora uma alternativa marginal, um impacto direto na mentalidade desse jogar. Houve também a incorporação formal de regras até então opcionais da “1.5e”, como teste de atributo, como proposta de uma maior reprodutibilidade para resolução de conflitos, decisão que impacta significativamente a forma de jogar, comprometendo a proposta descentralizada de arbitragem. Em 1995 essa edição foi relançada, como novas capas, nova diagramação e artes, e logo em seguida aditivada com uma série de suplementos: “Opções para Jogadores”, como novas regras opcionais e maior capacidade de customizações. Esse tipo de material empurra o RPG para o modelo “min-max”, que mais tarde se tornaria ainda mais famoso na 3e. Outra alteração relevante foi que essa nova edição foi lançada sob a propaganda de ser mais leve e acessível, com um Livro do Mestre (Dungeon Master's Guide) mais “amigável”. Na prática o conteúdo desse livro foi enxugado, com maior foco em regras formais e muito menos instruções sobre como criar aventuras e mundos próprios, o que reduziu drasticamente o espírito “DIY” (“faça você”), impactando em uma maior busca por aventuras e cenários oficiais, o que coincidia diretamente com a nova estratégia de expandir materiais suplementares, consolidando o estilo de jogo "guiado", em contraste com o espírito de mundo aberto e autoral do início da TSR.
Tomados em conjunto, todos esses elementos formam uma construção intricada, porém inteligível, que caracteriza uma fase prolongada de transformação.
Mas transição de quê? Estes eventos contribuíram para uma mudança que possuía qual forma?
Proto-D&D e o Espírito Aventuresco
Para responder a essa pergunta, vamos avaliar a estrutura das duas campanhas pioneiras desse estilo: Blackmoor e Greyhawk:
- um marco seguro: uma vila ou uma cidade
- um local principal de aventuras: um megadédalo (o castelo Blackmoor ou o castelo Greyhawk)
- uma região onde eles são alocados: o grande reino
Isso resulta em um jogo tipicamente cíclico: personagens incursionam pelas masmorras de um castelo antigo e sombrio em busca de tesouros antigos e esquecidos, enfrentam desafios mortais, como armadilhas, enigmas ou criaturas, e, quando sobrevivem, voltam para a vila. É ali que personagens recuperam ferimentos, fazem reagrupamento, investigam rumores, celebrem suas conquistas, sobem de nível ou qualquer coisa derivada disso. Ocasionalmente surgem aventuras adjacentes para áreas desconhecidas da região, como uma recompensa para o resgate de alguém sequestrado, a captura de bandoleiros de estradas ou, até mesmo, a busca por novos locais adequados para construção de mais marcos seguros (ex.: uma nova vila ou um forte). A motivação de personagens era óbvia: na fantasia tipicamente medieval, se você não pertence à aristocracia, ao clero ou a uma eventual burguesia emergente, está fadado ao trabalho servil — ou a arriscar a própria vida em aventuras mortais em busca de ouro e glória. A maioria morrerá tentando. É isso.
Foi exatamente esse modelo que fermentou a construção do D&D de 1974, com conteúdo que ensina a montar seu próprio módulo: um megadédalo, um marco seguro e uma região. Obviamente que é perfeitamente possível criar derivações disso, ao invés de um megadédalo, por exemplo, pode-se projetar diversos locais menores pela região, como covis, ruínas ou criptas antigas, o que vai permitir um foco maior também em HEXnavegação. Talvez seu próprio marco seguro pode ser o palco das aventuras, como a incrível Lankhmar de Fritz Leiber. Após o lançamento do D&D de 1974 a TSR começou a publicar aventuras para cobrir essa proposta. Basicamente o que era fornecido nesses livros era um local a ser explorado, contendo tesouros e desafios que precisam ser superados ou evitados, ponto final. Alguns exemplos clássicos são: Em busca do desconhecido (B1), A Tumba dos Horrores (S1) ou A Montanha da Névoa Emplumada (S2). Alguns materiais funcionavam como módulos, de fato, contendo também uma região e um marco seguro, além de pontos para aventuras, como os famosos: O Forte nas Terras Fronteiriças (B2) e A Ilha do Pavor (X1).
É também factual que o D&D era um material altamente flexível, o que permite múltiplas formas de ser explorado e expandido, o que naturalmente resultou em experiências de jogo que escalonaram rapidamente para super heroico ou épico, bem como algumas com maior teor de RPG narrativo, mas isso não estava no corpo dos textos. Com o tempo outros estilos de RPG começaram a misturar-se com a estrutura de RPG estratégico, mesmo ainda nos anos 1970s, com enredos incorporados em algumas aventuras ou materiais para jogos épicos. Ao longo de mais de uma década esses interferentes contribuíram para essa metamorfose, que foi, inclusive, percebida por Gary Gygax em 1985. Reporto aqui uma passagem da revista Dragon, deste ano:
Houve um longo período em que a ação, ao invés da atuação, era o foco principal dos jogos, e isso era especialmente verdadeiro em relação aos cenários de torneios em eventos. Assim, um cenário de jogo de AD&D® normalmente enfatizava o combate com monstros para atingir o objetivo definido para os personagens. Agora, o pêndulo oscilou para o outro lado — muita ênfase está sendo colocada em quão bem se assume o papel de personagem. Personificação e atuação substituem a ação do tipo mais direta e vigorosa — seja brandindo espadas, lançando feitiços ou qualquer outra coisa. Antes que essa tendência se aprofunde, é hora de considerar o que é um típico RPG.
Primeiro, é importante lembrar que "RPG" é um modificador do substantivo "jogo". Estamos lidando com um jogo baseado em interpretação de personagens, mas é antes de tudo um jogo. Jogos não são peças de teatro, embora RPGs devam incluir um pouco da teatralidade. Colocar ênfase indevida na mera atuação é colocar a carroça na frente dos bois. A interpretação de papéis é uma parte necessária do jogo, mas não é de forma alguma a questão toda.
— Gary Gygax, Dragon #102 (outubro de 1985)
DESLEXICALIZAÇÃO DA OSR
Como bem disse James Maliszewski, assim como Scooby-Loo teve um papel crucial na sobrevivência e revitalização da franquia Scooby-Doo, atraindo um novo público e expandindo o alcance do desenho, sua introdução metamorfoseou o material, que passou a focar mais em ação do que nos mistérios clássicos, exatamente como ocorreu com D&D nos anos 1980s.
Eu vejo algo similar com a OSR, que se expandiu de forma espasmódica e polimorfa. Enquanto o movimento surgiu inequivocamente como resgate ou renascimento do D&D antigo, outras visões se misturaram. Segundo observou Keith Hann: O divórcio da OSR às regras do Dungeons & Dragons veio acompanhado da ideia de universalizar seu conceito. O livreto de Finch: “Guia Rápido Para o Estilo de Jogo Antigo” se tornou uma referência para essa nova tendência, uma prática que gerou distorções ao ser replicada de forma precipitada, sem uma compreensão real de seus fundamentos.
Havia quem se interessava pelos cenários da era TSR, ou quem apenas buscava um jogo perigoso, acessível, ou quem desejava emancipar por uma estética punk com um jogo ágil. Isso tudo acabou promovendo uma transformação na OSR, com diversos produtos lançados fora do chassi D&D-TSR, o “old school”, então, passava a ser menos sobre as regras de Gygax ou Arneson e mais sobre filosofia. Embora isso tenha contribuído para um fértil e diverso campo de produções, também colaborou para uma maior fragmentação. Muitos produtos carregam o selo OSR sem relação com o D&D antigo, o que gerou debates sobre identidade dentro da própria comunidade. Alguns enxergam isso como uma evolução criativa, e, embora eu entenda essa visão, faço parte do grupo que vê isso como uma descaracterização. Nasceram assim diversas vertentes da OSR, que apresento organizadas por uma visão pessoal (muito similar à de Keith Hann):
● OSR-Original: a primeira geração, retrocompatível e com mesmos princípios.
●OSR-Adjacente: a segunda geração, não retrocompatível, mas geralmente de fácil adaptação, com alguns princípios.
●NSR (New School Revolution): a terceira geração, não retrocompatível, que busca uma estrutura minimalista, com algumas inspirações nos princípios.
Obviamente que o uso do “foi”, no título, trata-se de uma provocação e reflexão pessoal, pois uma vez que compreendi que todas essas visões cabem na sigla, perdeu-se para mim um sentido específico de que sua logo poderia ser usada para simbolizar intercambialidade, seja com materiais da era TSR, seja com novos produtos retrocompatíveis. É por isso que é impossível afirmar a OSR morreu, de fato. Seus fragmentos sobreviventes seguem em comunidades específicas, cada vez mais distantes uma das outras.
CONSIDERAÇÕES QUIRAIS
Eu entrei nessa há cerca de 8 anos, em 2017, para melhor entender de onde vinha o DCC-RPG (OSR-Ad, no caso), o que acabou promovendo um resgate e renascimento interno, que me fez voltar à Rules Cyclopedia de 1991, e além (ao BX e ao 0e). Eu me interesso por uma melhor compreensão da transmutação D&D, em busca de uma específica jogabilidade: sistema, mentalidade e estética.
Percebo que, assim como ocorreu com a sigla RPG, que um dia significou “um jogo do tipo D&D”, para melhor caracterizá-lo como algo diferente do universo dos jogos de estratégia (wargames) e de tabuleiro (boardgames), jogado com personagens em primeira pessoa, incursionando por dédalos sinistros em busca de tesouros perdidos, e acabou sendo expandida para diversos outros tipos de jogos, não mais sendo capaz de determinar o estilo, o mesmo aconteceu com a OSR, que um dia ocupou esse espaço, e significava esse D&D setentista, mas mais tarde sofreu a mesma deslexicalização.
O que podemos fazer? No meu caso, continuarei os estudos buscando melhor compreender, aplicar e refinar essas runas antigas, que abrem portas para os fantásticos mundos de aventuras desafiadoras construídas a partir da hibridação da visão Gygaxiana e Arnesoniana do RPG, e que nos permite ir além. Enquanto houver quem desbrave subterrâneos místicos, catacumbas ancestrais e ermos insólitos recheados de armadilhas mortais, criaturas horrendas e enigmas traiçoeiros em busca de tesouros antigos e esquecidos, ainda teremos mesas vintage por aí!
Vida longa ao RPG artesanal!
TUDO É XP
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XP INDICADO (mergulhe ainda mais)
Ao longo do texto eu deixei linques diretos para o conteúdo abordado, além de sempre indicar importantes livros sobre a historiografia do D&D, que são minhas maiores fontes de estudo, registrados em nossas referências.
Em adicional, recomendo especialmente que leia estes conteúdos:
A Historical Look at the OSR (Blogue OSR Simulacrum)
Guia Rápido Para O Estilo de Jogo Antigo (Primer de Finch)
Scrappy-Doo and The Hickman Revolution (Blogue Grognardia)
A OSR tem que morrer (Texto de Márcia D., traduzido por Rafael Balbi).
Também recomendo alguns vídeos correlatos:
O meu OSR favorito (vídeo no canal)
Como eu enxerguei a matrix (vídeo no canal)
Conversa sobre a história do D&D e o movimento OSR (canal Dados Críticos)
Muita, muita informação.
ResponderEliminarMuito bom a licença aberta de D&D não sendo usada somente para criação de conteúdo terceirizado do material vigente da época. Sinto que quando a direção percebeu a brecha que deu aos jogadores, acabou sentindo um leve arrependimento.
Quando mexeram mais uma vez, tentando arrancar dos jogadores o gostinho de produção para versões abraçadas por eles, viram que era melhor não fazer nada. Imagino que se tivesse feito isso, a produção seria mínima ou grande parte dos jogadores partiria para outras bandas, trabalhando inspirados nas versões anteriores mas com sistemas independentes (ou inspirados em outros jogos).
Oi Cedigo, muito obrigado pelo texto!
EliminarPois é, tem até um vídeo que fiz sobre "a treta da OGL", que interage com isso. Pretendo trazer pra cá tb pra deixar registrado!
Abraço!
Texto excelente! Acho que dá para dizer com segurança que esse é o melhor texto em português e escrito por um brasileiro sobre história do RPG. Sim, não se trata aqui apenas de "OSR", mas de toda a linha evolutiva central do que é o jogo de RPG e como se tornou o que é! Parabéns Quiral!
ResponderEliminarNo mais, quero deixar duas "provocações" e sugestões de temas que acho que merecem sua atenção para aprofundar a reflexão e o trabalho arqueológico que vem fazendo. A primeira é sobre o lugar do sistema "Fighting Fantasy" e sua versão avançada "Advanced Fighting Fantasy" no contexto da década de 1980 e o que isso nos mostra sobre a jogabilidade e estética derivada dessa versão primordial do jogo elaborada pelas inspirações fundamentais de Dave Anderson. Qual é o papel desse sistema e sua forma de jogar na estruturação desse contexto original? O que essa tradição britânica de jogos, desenvolvida de maneira concomitante ao D&D original nos ensina sobre os primórdios do jogo?
A segunda é: E no Brasil, o que foi a OSR? Quais suas "fases"? Me parece que no Brasil o gatilho principal foi uma reação a 4ed do D&D e não a 3ed como no EUA. É correto perceber dessa maneira? Se sim, porque aqui foi assim? Quais jogos e textos fundamentais para entendermos a "OSR" no Brasil?
Ficam as provocações e sugestões para seu trabalho! Grande abraço e vida longa a sua pesquisa arqueológica sobre RPG!
Saaaaalve Thiagão,
EliminarCara, muito obrigado pelo retorno, fiquei realmente feliz de ler seu comentário.
Sobre suas provocações:
1) sim, acho que é uma XP válida, até pq os autores (que são ingleses) trabalharam um tempo na distribuição do D&D no reino unido, então há um laço importante para ver o que derivou e o que muda.
2) Olha, nas referências aqui do blogue tem materiais em português que trabalharam o tema também, como o "Pontos de Experiência", do Diogo Nogueira, ou o podcast Café com Dungeon (do Rafael Balbi). Mas o melhor que eu vi, é do OSR simulacrum (em inglês), que fez um trabalho historiográfico excelente.
Também tem o Playing at the World, que é uma das melhoras coisas que já li sobre D&D (e RPG).
Aqui eu resolvi dar minha visão pessoal, com base nessas XPs todas S2